Cidades históricas da Itália: cadeirantes conseguem visitar?

“Acho que você não vai conseguir” foi a declaração que a Juliana*, que é cadeirante, ouviu quando comentou, com um conhecido, sobre sua vontade de conhecer cidades históricas da Itália.

Mas será que ele está certo, ou ela tem condições de fazer esse passeio? Vamos checar? Vem comigo!

Pedro Muriel é cadeirante e, em 2013, percorreu, com a família e amigos, várias cidades históricas da Itália

 

Este foi o relato de Juliana, após me falar de sua indignação por causa da falta de acessibilidade pelo mundo. Então, se perguntou e me perguntou: “Vou ter que viajar somente para os lugares que são acessíveis?”

Confesso que fiquei triste com o relato, porém o que mais me aborreceu nem foi a questão da falta de acessibilidade… E você sabe quanto isso me afeta. O que me afetou mesmo foi outra pessoa se sentir em condições de opinar sobre o que ela consegue ou não.

Já vou te contar a história toda, viu? E, certamente, também vou deixar muitas dicas para materializar o sonho da Juliana. Na verdade, elas serão úteis para qualquer pessoa…

 

Quem decide se posso fazer algo ou não?

 

Primeiramente, já parou para refletir sobre a diferença entre autonomia e independência?

Como você talvez esteja a par, autonomia é a capacidade de tomar decisões e fazer escolhas. É diferente de independência, que diz respeito às condições (físicas, intelectuais ou outras) que nos possibilitam agir. Uma tem a ver com a decisão, outra com a ação.

Sendo assim, autonomia depende de maturidade, autoestima e até autoridade moral. Enquanto isso, independência se relaciona com funcionalidade do corpo e do intelecto ou até mesmo com as condições do ambiente.

Não falta a Juliana, que tem exclusivamente deficiência física, condições de avaliar se está apta a fazer uma viagem. Mesmo sendo de tal porte, cruzando o oceano e se aventurando por cidades históricas na Europa.

Para decidir com acerto, ela pode, certamente, recorrer ao auxílio de outras pessoas. Por exemplo, médicos, fisioterapeutas e até seu psicólogo ou psicóloga, caso faça terapia. Também pode pedir ajuda às pessoas com quem convive.

Porém, a decisão final cabe apenas a Juliana, e não há ninguém no mundo que a conheça melhor que ela mesma, concorda?

 

Vilas que se perdem no tempo…

 

Na verdade, nossa amiga já conhece algumas cidades italianas. Porém, deseja retornar, porque adora história e, então, quer visitar os lugares cuja data de criação se perde no tempo.

Entendo perfeitamente, porque, tal como ela, também tenho fascínio por cidades antigas. Talvez por conta dessa paixão, a falta de acessibilidade não tem sido empecilho para conhecê-la, mas, com certeza, isso depende de vários fatores.

Então, gravei um vídeo curtinho para responder à questão do título. Para assistir, é só clicar aqui.

A seguir, compartilharei 10 dicas para que ela, ou quem se interessar, possa materializar a viagem.

 

Minhas dicas

 

Vamos lá, Juliana, começar a pensar nessa viagem? Vou te deixar algumas dicas básicas, só pra você se convencer de que é possível chegar às vilazinhas.

Por outro lado, também não vou dizer que seja algo simples, pois não é.

Por fim, vou deixar fotos da viagem que o cadeirante Pedro Muriel, de Belo Horizonte, fez à Itália em 2013. Na ocasião, além de Roma e Vaticano, ele visitou Florença e a Toscana.

 

Fase preparatória

 

  1. Enquanto aguarda o melhor momento, adube o sonho continuamente, pensando nele e investigando possibilidades.
  2. Não importa quanto tempo leve para materializar sua viagem. O mais importante, no meu modo de ver, é não perder a ideia de vista. Uma hora, você vai conseguir reunir as peças do quebra-cabeças e descobrir os meios de tornar o sonho possível.
  3. Comece pelo começo, se perguntando quais cidades quer conhecer. Somente depois pesquise as condições de acessibilidade em cada uma, para decidir o que é viável.

Ainda que, inicialmente, você conclua que não tem condições de encarar a aventura, quem sabe as suas condições podem vir a ser transformadas? Será que mais uma atividade física ajudaria? Um check-up nutricional para dar um up na força muscular, na resistência e na imunidade?

E, na verdade, as condições de acessibilidade dos locais também podem se alterar.

 

Transporte e hospedagem

 

  1. O meio de transporte para ir do Brasil à Itália pode ser um grande desafio para inúmeros cadeirantes, como resultado da falta de acessibilidade nos aviões. Entretanto, sempre considere as alternativas e seja flexível.

Se não for possível ir de avião, quem sabe vale optar por navio? A viagem é lenta, demora vários dias, mas talvez lhe ofereça mais segurança e conforto, além de diversão!

  1. Sugiro que escolha, para se hospedar, a cidade mais acessível que seja próxima dos locais que deseja conhecer. Assim, você pode fazer viagens curtas, tipo bate e volta, até os pontos-chave.

Em caso de necessidade, busque informações com blogueiros e instagrammers italianos que tenham deficiência, ou com brasileiros que vivem lá.

Para seu conforto, sugiro escolher de uma a três cidades para conhecer, dependendo do que considerar seu limite. Isso, com o objetivo de estar bem para aproveitar o passeio. Afinal, a viagem é pra te deixar feliz, não pra te levar pro hospital ou, no mínimo, te jogar na cama do hotel.

No meu caso, prefiro conhecer uma ou no máximo duas, a cada vez que viajo, porque cidades históricas realmente são desafiadoras. Porém, há formas de amenizar os impactos e reduzir o cansaço, como vou mostrar a seguir.

 

Tudo pode ficar mais leve

 

Bem, já sabemos que cidades históricas, de modo geral, não são acessíveis. Apesar disso, inúmeros locais históricos, na Europa e em outros países, têm recebido intervenções, a fim de mudar essa realidade tanto quanto possível.

Sendo assim, quem sabe algumas cidades que deseja conhecer já estejam avançando em transformações?

Em qualquer caso, há medidas que podemos tomar para que o passeio não nos derrube…

Antes de prosseguir, porém, tenho uma pergunta: você já leu meu livro? Ele desenvolve todos esses assuntos, e eu até compartilho diagramas para facilitar a organização.

A obra está disponível em formato digital e, por enquanto, pode ser baixada gratuitamente. Abaixo, no Para saber mais, deixo o link!

 

Deslocamentos de carro ou “a pé”

 

  1. Quando usamos cadeira de rodas, é mais confortável viajar com alguém que reúna condições de nos auxiliar. Esse auxílio pode ser desde empurrar a cadeira até comprar um lanche ou uma água num local sem acessibilidade…

Porém, uma companhia nessas condições nem sempre está disponível para muitos de nós. Às vezes, viajamos com pai ou mãe idosos, com filhos muito jovens, marido ou esposa que também têm alguma deficiência e por aí vai. E, na verdade, há ocasiões em que estamos sozinhos…

O ideal mesmo é viajar com alguém que dirija e tenha braços fortes (uma das duas características ou, por milagre, quem sabe as duas ao mesmo tempo? rsrs)

  1. Se sua companhia ou se você mesma dirigir, podem optar por alugar um carro para ir até o local histórico. Assim, se a acessibilidade for muito precária, opte por descer somente em lugares específicos. Afinal, o restante do percurso pode ser realizado de carro.
  1. Uma scooter costuma ser mais confortável que cadeira de rodas manual, porque tem amortecimento e pneus mais grossos, além de poltrona com braços. Quem sabe seja possível alugar uma em Roma?

 

Aluguei uma scooter para passear em Newcastle upon Tyne, que é uma cidade com construções medievais, no Reino Unido

 

Contratação de guia ou motorista

 

  1. Outra opção é contratar um motorista no local, indicado por algum blogueiro que você vier a conhecer.

Fiz isso em Lisboa, e foi a melhor decisão que tomamos! Assim, não precisamos nos preocupar com estacionamento, normas locais e risco de multas. Com o querido Sr. Anibal, passeamos por todo o Alentejo, indo até Badajoz, na Espanha. Percorremos várias cidades históricas, como Évora, Sintra, Monsaraz e a própria Badajoz.

Ele foi quase um pai para mim e meus irmãos, e ajudou muito minha mãe…. Me comunico com ele até hoje, vários anos decorridos…

No Chile também fiz isso, e o motorista também foi sensacional. Todos dois foram indicados por blogueiras brasileiras que residem no exterior.

 

Sr. Aníbal: excelente motorista, bom papo, anjo da guarda e filial do Google… Sabia responder a tudo que a gente perguntava!

 

  1. Outra ideia é contratar um cuidador/uma cuidadora no Brasil e levar a pessoa. Ou, também, contratar um(a) guia na Itália. Com indicações de blogueiros, não será difícil conseguir uma pessoa confiável e competente…

Essa pessoa poderia acompanhar você aos passeios.

No meu caso, no Chile, o motorista/guia Cláudio era tão cooperativo que acabou se transformando numa espécie de “babá”. Ele deu um “chega pra lá” em minha mãe e meu irmão e disse que eles não precisavam mais se preocupar comigo. Eu ficaria por conta dele…

Acredite: essa contratação pode sair menos caro do que a gente imagina, especialmente se você estiver acompanhada e puder dividir despesas. Afinal, todos iriam mesmo ter que despender dinheiro com transporte… Na minha experiência, sai pouco mais caro que pegar uma van desconfortável lotada de pessoas.

 

Cláudio foi nosso guia, motorista e anjo da guarda no Chile. Aqui, ele me acompanha na vinícola Veramonte

 

É caro, mas é barato

 

Juliana, você pode até pensar que uma viagem assim sai muito caro. Entretanto, posso te garantir que sai MUITO MAIS BARATO do que ficar em casa sem realizar o sonho.

Sabe, minha filha? Isso, sim, causa doença psiquiátrica das graves, e não haverá dinheiro que conserte…

No mais, conte comigo para te ajudar a planejar tudo, beleza? Tamos juntas!

 

Recadinho para leitores

 

Se você tem deficiência física e quer tornar realidade sua viagem dos sonhos, me escreva! Quem sabe posso te ajudar a planejar? Mas, antes disso, baixe meu livro aqui e leia, leia tudinho com atenção. Talvez, isso já resolva suas dúvidas…

 

*Juliana é um nome fictício, porque a leitora não deseja ser identificada.

 

Para saber mais:

 

O cadeirante Pedro Muriel na Itália: cidades toscanas, Florença, Veneza, Roma e Vaticano.

Baixe o e-book Como organizar uma viagem com acessibilidade

Viagem marítima acessível para cadeirantes

 

Pedro Muriel percorrendo Florença, Roma e Toscana

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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