Dança para cadeirantes: 7 lições do coreógrafo Wesley Messias

O professor e coreógrafo Wesley Messias esteve numa live comigo, em maio de 2020, no Instagram, para conversar sobre dança para cadeirantes.

O que eu não podia imaginar é que o bate-papo iria muito além e renderia considerações instigantes sobre liberdade de escolha, discriminação e muito mais.

Vamos conferir essas falas? Vale a pena, eu garanto!

Wesley Messias é professor de dança e coreógrafo (Foto: Jaqueline Lisboa para o portal Metrópoles)

 

Quem é Wesley Messias

 

Para começar, vamos conhecer nosso entrevistado, que tem a dança no sangue, cresceu na cultura artística e começou muito cedo: com 19 anos já ganhava seu primeiro prêmio como coreógrafo.

Ele dedicou metade da vida a ensinar as pessoas a se expressarem através do corpo. Mas não ensinou apenas pessoas sem deficiência, pois também tem experiência com pessoas com deficiência.

Agora, com a modalidade on-line, trabalhou com o grupo Street Cadeirante. Atualmente, tem seu próprio grupo, o @tribocadeirantes. E é com Wesley que tenho aprendido a dançar desde o início da pandemia, exercitando o corpo, a mente e a sensibilidade com o street dance.

 

Quando falo de dança, não falo de hip hop, balé, contemporâneo ou jazz, falo de se expressar. São só jeitos de se expressar. É se perceber.

 

Impacto das aulas

 

Aprendendo movimentos da dança de rua, é incrível como identifico e expresso sentimentos que nunca tinha identificado em mim.

Os movimentos me trouxeram memórias. Talvez, até, a oportunidade de vivenciar algo que tem sido vetado aos cadeirantes, por falta da acessibilidade, que é a espontaneidade e a força que está nas ruas.

A seguir, destaco 6 reflexões importantes feitas por Wesley, que costurei a partir de diversas falas ao longo da entrevista, e às vezes resumi, para agrupar.

Então, as ideias podem ser creditadas a ele, mas as costuras são minhas, caso seja preciso assumir responsabilidade por alguma frase que não tenha expressado exatamente o que ele quis dizer, combinado?

 

No quadro, uma colagem com alguns dos alunos/dançarinos do Tribo Cadeirantes

 

1. As pessoas são livres

 

Todo mundo tem que dançar, se divertir e ficar à vontade. Todo mundo é livre pra ser quem é, para fazer o que quer, se aceitar como é. É preciso tirar da nossa cabeça o padrão.

Minha base é com danças urbanas, mas estudei teatro musical, trabalhei com corais, fui pra Broadway estudar. Quando falo de dança, não falo de hip hop, balé, contemporâneo ou jazz, falo de se expressar. São só jeitos de se expressar. É se perceber.

 

2. Experimente a autenticidade

 

Para ele, a importância da dança na sua vida e de seus alunos pode ser resumida em uma sentença. “Dance, conte uma história sem dizer uma palavra e no final escute quantas almas escutaram a sua prece. Essa é minha frase pra quem se movimenta, canta, desenha. O que eu digo e insisto para as pessoas hoje é: faça a sua arte. [Depoimento para o portal Metrópoles]

Esta é a minha frase para a vida. Dance com uma energia tão verdadeira, tão autêntica e observe quantas pessoas se conectaram com você. Conte uma história inteira da sua vida simplesmente com movimentos, sem precisar falar alguma coisa.

A gente fala demais na vida, fala de teorias… E com seu movimento, será que você consegue conectar as pessoas só com a energia do seu corpo?

 

3. Perceba o lugar em que você se coloca

 

Muitas pessoas se bloqueiam e falam que não vão fazer dança porque estão mais velhas, porque são cadeirantes, porque o namorado não gosta ou porque se sentem ridículas.

Mas a pessoa não é ridícula, ela é que está se colocando neste lugar. Quando a pessoa se ama e se aceita, a pessoa se olha no espelho e diz como é maravilhosa, que é assim que vai estar até o final e quem sabe até voltar igual, tudo à volta dela flui. Ninguém aponta o dedo para você.

As pessoas que apontam o dedo para as outras – porque são negras, pobres ou cadeirantes – é porque não se amam.

É preciso repaginar o que é bonito. Bonito é o que eu acho bonito.

 

4. Dança para cadeirantes não é um problema

 

Sempre trabalhei com projetos de inclusão nas escolas, mas isso nunca foi um problema ou destaque para mim e nunca gostei de fazer turmas separadas. Se as pessoas querem dançar, por que não podem ficar juntas? Se ela tem síndrome de Down ou é cadeirante, e está se expressando, então por que separá-la?

Minha dança não é para isso.

Quando Carla Maia [cadeirante, fundadora do Street Cadeirante] me procurou em uma escola para aprender a dançar, não dei uma atenção especial para ela. Então, ela estranhou. Fui mostrando pra ela os movimentos, adaptando algumas coisas, e isso deu liberdade para ela.

Tinha a Júlia na minha turma – eu não lembro o que ela tinha, porque não me atento a isso; pergunto como consegue sentir o tronco, como está o apoio… Mas a Júlia tinha bastante limitação de movimentos e acompanhava do jeito dela. O mais importante é que está se conectando comigo e, mesmo dançando do jeito dela, está me acompanhando.

No Street Cadeirante, todas conseguem conduzir a própria cadeirante. Mas, em alguns shows, quando é preciso se movimentar pelo palco, minha companhia de dança participa, para ajudá-las a mudar de lugar rapidamente. Mas não faço muito a dança com deslocamento de cadeira.

 

Wesley entre algumas das bailarinas do Street Cadeirante (Foto: Facebook do grupo)

 

5. Cadeirantes podem ser expressivos mesmo sem mover as pernas?

 

Sim, podem ser expressivos como todo mundo.

O que é expressão? Isto aqui [mostra, fazendo gestos] é movimento, um caminho para se expressar. Agora, como eu vou fazer isso é que faz disso uma dança. Como vou desenhar este movimento? O que estou passando de sentimento com este movimento? O que quero transmitir para as pessoas sem falar uma só palavra, só com meu corpo?

Quando faço um trabalho coreográfico com o Street Cadeirante, tenho outras preocupações: o efeito visual, como vai ser a movimentação no palco, para onde vou direcionar o olho da plateia, que sensação quero causar… O trabalho dos bailarinas e bailarinos é deixar isso maravilhosamente bem executado, e com uma expressão, uma energia e uma verdade com que as pessoas se conectem.

Eu dou o visual, a movimentação tanto do palco quanto corporal, e os bailarinos preenchem isso com a verdade.

[Para se aprofundar nesta parte, ouça do minuto 23 até 27 do vídeo]

 

6. Dança é para qualquer pessoa

 

Não sei se eu penso assim porque sou negro, e as pessoas me discriminaram muito na minha infância… E hoje ainda rola.

Mas eu nunca tive esse problema de discriminar. Pra mim, é tudo igual, dar aula pra mulher, homem, gordo, magro, rico, pobre… São pessoas querendo se expressar, se movimentar, porque têm uma paixão. É alimentar uma vontade de liberdade.

Todo mundo pode fazer, de qualquer idade. Amo crianças, e tenho bailarinos que começaram com 8 anos. Criança tem menos neura, não tem vergonha.

 

7. Se está vivo, faz!

 

A gente é criado para ter medo de ficar ridículo, feio… E o que é feio, o que é ridículo?

Vamos viver, vamos sonhar. Nunca podemos parar de querer as coisas.

Ninguém está velho para isso. Se está vivo, faz!

 

Dança para cadeirantes

 

Se você quer fazer dança on-line com Wesley Messias, basta fazer encaminhar uma mensagem para o Tribo Cadeirantes e fazer a inscrição. Para isso, o endereço está abaixo, no Para Saber Mais.

E, caso queira fazer dança presencial, investigue no Google se há um grupo em sua cidade. A dança está ficando mais inclusiva, e grupos têm aparecido em várias partes do Brasil. Tomara que encontre um lugarzinho pra chamar de seu!

 

Publicado em 3.05.2020 e editado em 05.12.2021

 

 

Para saber mais:

 

Para assistir à live com Wesley Messias, clique aqui.

Wesley Messias: brasiliense projeta bailarinos do DF para o mundo

Instagram de Wesley Messias

Instagram do Tribo Cadeirante

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

2 Comments

  1. Minha filha é cadeirante. Ela adora musica. Gostaria muito que ela fizesse aula de danca, que seria até mesmo uma forma de se exercitar. Você conhece aqui no Rio de Janeiro, uma Academia ou Escola de danca que ela pudesse frequentar? Ela tem 45 anos, é meiga, alegre, advogada e muito comunicativa. Moramos em copacabana. Pena que você não tem uma Escola aqui.

    • Olá, Sonia, seja bem-vinda!!

      Infelizmente não conheço nenhuma escola de dança no Rio. Mas sua filha pode fazer dança com o Wesley. On-line também é muito bom, acredite!

      Basta acessar o Instagram dele, que está informado aí em cima, ou o do @tribocadeirantes. Vai ser ótimo!!

      Abração

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