Fotografia: o poder do clique

A coluna Café com Fatine de hoje propõe como tema a fotografia. Para algumas pessoas com deficiência, os ensaios fotográficos são uma ponte para a autoconfiança e a autoestima. Outras optam por fotos que mostram uma pessoa menos natural e mais idealizada. Que tal um bate-papo sobre o poder do clique? 

 

Café com Fatine é a coluna quinzenal de Fatine Oliveira. São textos para pensar com leveza, tomando um cafezinho…

Preservar do esquecimento

 

A delicadeza dos dias nos faz ter uma relação interessante com a realidade.

Buscamos preservar, do esquecimento inevitável, momentos doces como o instante em que uma criança abriu os olhos pela primeira vez, o momento do “sim” na celebração do matrimônio ou uma tarde de lazer com seu animal de estimação.

A memória, mesmo naqueles indivíduos capazes de reter lembranças antigas, torna-se, com o tempo, uma colcha feita com fragmentos de realidade e sensações, distanciando-se cada vez mais da realidade genuína.

A fotografia surgiu como solução desse impasse: já não precisávamos contar apenas com os relatos, poderíamos acrescentar a imagem do momento.

Álbuns carregados de memórias centralizavam reuniões de família para rever antigas fotos e ouvir as histórias de um tempo distante. Esse tipo de encontro, para mim, é a melhor “repartição de herança” que pode existir. Há uma energia gostosa nessa troca, e descobrir seu passado nas histórias de seus parentes nos traz uma boa definição do que somos.

Mudanças por causa da tecnologia

 

Mas, com o passar do tempo, a tecnologia permitiu que o acesso a informações e produtos acontecesse com mais facilidade, seja no barateamento da produção ou na convergência das tecnologias. Um celular, que antes era responsável por ligações, hoje comporta-se como câmera, computador, GPS, lanterna e até cupido, com os aplicativos de relacionamento. rs

Trocamos os álbuns por pen drives, as máquinas fotográficas pelo celular e as reuniões de família pelas curtidas das redes sociais. Vivemos o “ser o que represento”, e as imagens possuem uma grande participação nesta fase.

Ainda registramos momentos, porém muitas vezes tentamos capturar essências, entrando em um jogo onde podemos nos (re)encontrar ou nos perder como indivíduos.

Fatine Oliveira em foto de Ludimila Espanguer

 Posso ser ou já sou?

 

A fotografia possui uma força transformadora, especialmente quando não temos corpos dentro dos padrões, pois nos permite assumir papéis desconhecidos ao nosso ser, porém reveladores de uma essência adormecida.

É como se por um instante tivéssemos o poder de ser o que sempre sonhamos.

Talvez seja por este motivo que algumas pessoas com deficiência, após participarem de ensaios fotográficos, sintam-se mais confiantes ao observarem o resultado nas fotos.

Na maioria das vezes, isso acontece porque o olhar do outro, no caso, o fotógrafo, captura a essência que aquela pessoa não conhecia, fazendo-a (re)encontrar e perceber um indivíduo completamente diferente do seu eu conhecido.

Nesse caso, as imagens nas redes sociais ajudam nesse delicado processo de identificação que a pessoa se permite fazer.

Entretanto, há o lado negativo que aprisiona muitos em uma necessidade de construir um indivíduo ideal, plastificado, produzido para convencer o outro de que a imagem capturada é verdadeira. Há um grande esforço pela aprovação, um cuidado com o que será exposto para se compor um personagem. Algo fake.

A existência do outro não importa, apenas a representação.

 

Equilíbrio sempre

 

Pessoalmente, gosto de tirar fotos e compartilhá-las com meus amigos, do mesmo modo que aprecio ver as fotos que eles colocam em suas redes sociais. Alguns moram distante, outros a rotina afastou, e a internet funciona como um canal de contato com essas pessoas. Claro que nada substitui aquele encontro para um café, não é mesmo?

O que pretendo discutir é que nem toda foto publicada é para se promover, assim como nem todo ensaio fotográfico será empoderador.

É necessário buscar o propósito das imagens que capturamos e postamos, pois somos todos influenciadores. Cada ação é percebida de uma maneira pelo outro.

Lembro-me de quando fiz um ensaio fotográfico e várias mulheres com deficiência diziam se identificar comigo. Naquele momento, percebi que a fotografia é muito mais do que um registro, é também um manifesto. Resistência.

Faça essa experiência.

Se não puder fazer um ensaio, peça a alguém de sua confiança para te ajudar a tirar uma foto diferente. Brinque um pouco; permita-se olhar-se de outro modo.

Garanto que descobrirá um eu incrível aí dentro.

 

Se antes a cadeira de rodas, as órteses e próteses ficavam escondidas nas fotos, hoje elas estão expostas. Chegam até a ser protagonistas. (Foto de Sarinha: @fabioinovaproducao)

Isabela aparece com suas órteses no clique de @fabioinovaproducao

 

Para saber mais

 

Outros textos de Fatine no Cadeira Voadora

Site de Fatine Oliveira | Disbuga

Instagram de Fatine

 

About Fatine Oliveira

Fatine Oliveira é publicitária e autora do blog/canal Disbuga, onde apresenta de forma reflexiva (e algumas vezes sarcástica) diversos temas sobre a vida da pessoa com deficiência. É também mestre em Comunicação Social (UFMG) com um estudo sobre fotografias de mulheres com deficiência no Instagram. Tem 30 e alguns anos (mas não precisa espalhar!), adora café, seriados, quadrinhos e uma boa conversa no boteco. 😀 Contato: disbuga@gmail.com

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