O mercado de trabalho e as pessoas com deficiência

Meire Elem Galvão fala, hoje, sobre a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Conheça a legislação, fique a par de experiências e sugestões. Entre no debate!

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A imagem mostra uma mulher cadeirante em seu ambiente de trabalho, com móveis adequados a suas necessidades. (imagem shutterstock)

 

Por Meire Elem Galvão

 

No post de hoje, vou mesclar experiências que vivenciei, legislações e sugestões.

Desde 1991 é obrigatória a contratação de pessoa com deficiência por empresas que têm 100 ou mais empregados.

A Lei nº 8.213/1991, também conhecida como Lei de Cotas, determina a reserva de vagas, que varia de acordo com o número de empregados: de 100 a 200, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%, e acima de 1.001, de 5%.

O Projeto da Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência* tentou tornar obrigatório que empresas que têm entre 50 e 99 funcionários passassem a contratar pelo menos uma pessoa com deficiência, mas esse trecho foi vetado pela Presidente Dilma. Na mensagem de veto, Dilma argumentou que a medida poderia gerar prejuízos para o setor produtivo. “Especialmente para empresas de mão de obra intensiva de pequeno e médio porte, acarretando dificuldades no seu cumprimento e aplicação de multas que podem inviabilizar empreendimentos de ampla relevância social”, diz o texto.

 

Experiência pessoal

 

Vou contar para vocês o que aconteceu comigo.

Em 2008/2009, realizei o curso Técnico em Gestão Empresarial. Mesmo não sendo obrigatório o estágio, senti desejo de viver essa experiência, já que nunca havia trabalhado.

Enviei meu currículo contendo a informação de que utilizo cadeira de rodas e recebi alguns telefonemas agendando entrevistas. Entretanto, antes de encerrar a ligação e para confirmar, eu perguntava se a empresa tinha fácil acesso.

Então, vinha a decepção: me pediam para desconsiderar o agendamento e explicavam que aquela vaga não poderia ser preenchida por mim. Resumindo, não estagiei.

Passaram-se os anos e, em 2014, enquanto cursava Direito, fiz concurso para estagiar na Subseção Judiciária de Contagem da Justiça Federal. Havia previsão de vagas reservadas para pessoas com deficiência; passei e pude finalmente viver essa experiência.

 

Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008): em seu art. 17, §5º, assegura às pessoas portadoras de deficiência [essa expressão permanece na lei, embora seja atualmente considerada inadequada] o percentual de 10% das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio.

 

Discriminação?

 

Quem tenta ingressar no mercado de trabalho pode notar que algumas empresas tentam preencher as vagas destinadas às pessoas com deficiência concentrando-se num tipo único de deficiência ou em deficiências leves.

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, ambas as atitudes podem ser entendidas como discriminatórias e devem ser denunciadas a esse órgão.

O que deve ser buscado pela empresa é a pessoa, e não a deficiência.

As pessoas com deficiência têm o direito de ser respeitadas, sejam quais forem a natureza e a severidade de sua deficiência (art. 7º, XXXI, da Constituição Federal, c/c art. 3º da Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência).

É preciso ressaltar que a finalidade da legislação (art. 93 da Lei nº 8.213/1991, c/c art. 34 da Lei nº 13.146/2015) é garantir o acesso ao trabalho a todas as categorias de deficiência (art. 7º, XXXI, da Constituição Federal, c/c art. 4º da Recomendação nº 168 da OIT).

 

Inclusão?

 

Considero ser muito importante dividir com vocês o relato que duas pessoas surdas usuárias da língua brasileira de sinais (libras) fizeram durante uma palestra que realizei em 2015 sobre o Benefício de Prestação Continuada – BPC e o mercado de trabalho**.

A plateia se dividia entre pessoas com deficiência e pessoas do RH de diversas empresas. Uma mulher surda contou que os outros funcionários da empresa em que trabalha não se relacionam com ela e disse sentir falta de fazer amigos naquele local. Outro rapaz, também surdo, disse que os colegas de empresa se referem a ele como “mudinho” e que isso o ofende, pois é um termo pejorativo.

 

Man with Down Syndrome Working in an Office --- Image by © Royalty-Free/Corbis

Rapaz com síndrome de down trabalhando em um escritório – Image by © Royalty-Free/Corbis

 

Inclusão com dignidade

 

Tanto naquele episódio de 2008 quanto nesse dia, notei que, mais do que empregar pessoas com deficiências, as empresas precisam promover uma inclusão com dignidade. Isso significa preparar adequadamente o RH da empresa para o momento da contratação, incentivar o aprendizado da língua de sinais e realizar palestra para informação sobre as deficiências e a maneira correta de lidar com elas, por exemplo.

Tanto as pessoas com deficiência que pleiteiam uma oportunidade de emprego quanto as empresas que pretendem contratar essas pessoas podem ter dúvidas, como, por exemplo:

  • O que a empresa deve observar quando realizar entrevistas e testes com candidatos com deficiência?

Os instrumentos utilizados devem estar em formato acessível para as diferentes deficiências. Por exemplo, deve haver a presença de intérprete de sinais, quando o candidato for surdo, teste em braile para os cegos, etc. O ideal, quando forem ofertadas as vagas, é incentivar que os candidatos informem antecipadamente as suas necessidades para participar do processo seletivo (item 4.2 do Repertório de Recomendações Práticas da OIT: Gestão de questões relativas à deficiência no local de trabalho).

  • A pessoa com deficiência tem direito à jornada especial?

Sim, pode ter um horário flexível e reduzido, com proporcionalidade de salário, quando tais procedimentos forem necessários em razão do seu grau de deficiência. Para atender, por exemplo, a particularidades, como locomoção, tratamento médico, etc. (art. 35, § 2º, do Decreto nº 3.298/99).

 

Fiscalização

 

De acordo com publicação no site do Ministério da Economia, as ações de fiscalização da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia levaram à contratação de 46,9 mil Pessoas com Deficiência (PcD) e reabilitados em 2018, considerando o número de empregados formais (44.782) e aprendizes (2.118).

Ao todo, foram 11,4 mil inspeções em todo o país. Os números, tanto de operações quanto de trabalhadores contratados após as inspeções, são recordes desde 2003, quando começou a série histórica.

Em 2017, os fiscais do Trabalho realizaram 9.727 operações, que resultaram na admissão de 37.534 trabalhadores com deficiência, computando os empregados regulares e os aprendizes. Desde 2003, foram contratadas mais de 448 mil pessoas com deficiência e reabilitados em todo o país, em decorrência de operações de fiscais do Trabalho.

Espero que esse número cresça e que a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho seja realizada com dignidade.

 

Cadastre-se!

 

Alguns sites em que a pessoa com deficiência e empresas podem se cadastrar:

Em São Paulo, o SP Trabalho Inclusivo (https://www.empregasaopaulo.sp.gov.br/imoweb/)

Em Minas Gerais, Instituto Ester Assumpção (https://www.ester.org.br).

Em âmbito nacional, Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência – IBDD.

 

Até o próximo texto!

 

Notas

 

* O Estatuto da Pessoa com Deficiência entrou em vigor no último dia 02 de janeiro. Em breve trataremos desse assunto.

** Em outro momento tratarei sobre esse tema.

 

ponto-de-interrogação-6906191Nota explicativa:

Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência?

Desde a elaboração desse importante instituto normativo, iniciou-se uma divergência quanto ao termo adequado para denominá-lo. Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei da Inclusão?

A Laura Martins me incitou a dialogar com o Thiago Helton, que também é formado em Direito, é pessoa com deficiência e militante pela causa, sobre o contexto dessa divergência.

No que tange aos efeitos jurídicos propriamente ditos – ou seja, validade, eficácia e aplicação do diploma legal – não há hierarquia de um sobre o outro, seja considerado lei ou estatuto. Contudo, há uma corrente que advoga que estatutos, quando se trata de segmentos sociais, são normas de tutela protetiva para grupos mais vulneráveis, como é o caso do Estatuto do Idoso ou do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Esse não é, porém, o caso da pessoa com deficiência. Entendemos que não precisamos de tutela, mas de respeito e inclusão, isonomia e dignidade. Nesse caso, entendemos que tratar o diploma legal como Lei da Inclusão ajuda a consolidar uma nova cultura.

 

Fontes:

Portal Brasil

EBC

 

 

About Meire Elem Galvão

Meire Elem Galvão é advogada, palestrante e divulgadora de informação sobre os direitos da pessoa com deficiência. Conhece de perto os desafios das cadeiras voadoras, pois faz parte desse bando. Ela te convida a visitar sua página no Facebook (@direitosmeireelemgalvao), seu Instagram (@direitosdapcd) e a enviar suas dúvidas para meiregalvaodireito@hotmail.com

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