Uma pessoa não é uma função. Uma pessoa é uma pessoa.

 

A frase do título é da ativista Ibby Grace e despertou em mim reflexões sobre o valor que damos a nós mesmos e aos outros.

Onde está o valor do outro e de nós mesmos? Quais critérios usamos para definir isso?
#Pracegover A imagem mostra cinco colheres contendo produtos (provavelmente temperos) de cores e texturas diferentes

 

Por Laura Martins

 

Me incomoda quando ouço elogios a determinada pessoa com deficiência pelo fato de ela ser “produtiva”.

E por que uma pessoa precisa ser produtiva PARA ter valor? Já se perguntou?

Ok, podemos ser produtivos, claro, nada contra. Mas nosso valor não pode estar ancorado nesta característica. E isso é algo que me chama a atenção especialmente quando vejo o elogio sair da boca de pessoas que têm alguma deficiência, que acabam repetindo discursos alheios sem pensar a respeito.

 

(d) Eficiente

 

Por que isso ocorre? Posso imaginar que uma das razões é que queremos ser iguais aos outros, sem deficiência, para sermos valorizados socialmente. Mesmo que isso seja inconsciente.

Outra razão é que precisamos nos convencer de que somos eficientes. Quantas vezes você já viu algo escrito assim: (d) Eficiente ? Isso mostra que muitas pessoas, também as que têm deficiência, acham que deficiência é o contrário de eficiência. Por isso, querem provar que são eficientes. Mas deficiência não é o contrário de eficiência.

Certamente, ficar na bolha, isolado, sem desenvolver as próprias habilidades e capacidades é algo que ninguém deseja, tendo ou não uma deficiência.

Mas, para nosso próprio bem, vale a pena nos questionar se nosso esforço tem o objetivo de nos deixar felizes com nós mesmos – ou satisfazer à sociedade e buscar a aprovação dela.

 

O que é suficiente?

 

Estou dizendo tudo isso porque esse modo de ser esteve pregado em mim durante anos, em que desenvolvi todas as competências possíveis a ponto de entrar em esgotamento. Afinal, uma pessoa competente recebe demanda de todos os lados, não é isso mesmo? E nunca acha que seu trabalho está suficientemente bom, porque é perfeccionista.

Após longo tempo de terapias (sim, no plural) e de reflexão, vi que poderia ser eu mesma e, finalmente, me encarregar de satisfazer a mim mesma, no mais profundo do meu ser. Só assim, aliás, terei como saber se o outro verdadeiramente aprecia meu modo de ser – ou se está impressionado com a máscara que criei.

 

Todos usamos máscaras, mas até que ponto temos consciência disso? Quanto elas estão coladas em nossa face?

 

O universo da pessoa sem valor social

 

Por tudo isso, fiquei muito tocada ao ler hoje um texto de autoria de Ibby Grace, que é autista, no blog O Autismo em Tradução. Ela discorre sobre seu amigo Eric, que também é autista. Fala sobre o valor dele e também da invisibilidade que enfrenta por causa de suas características.

 

Leia um trecho (o texto completo está aqui):

 

“E se ele quisesse, o Eric poderia facilmente me roubar, ou me enganar, ou me confundir emocionalmente, porque eu confio muito nele, mas eu sei que ele não é esse tipo de pessoa e eu sei com toda certeza que a minha confiança não é equivocada.  A razão de eu saber tudo isso e mais outras coisas é que somos amigos e ele pode se comunicar apenas sendo ele mesmo ao invés de pela fala ou pela escrita.  E eu posso escutar só por estar ao lado dele notando quem ele é, ao invés de ficar falando pra ele usar as palavras ou me olhar nos olhos, ou ao invés de ficar mostrando as gravuras do PECs ou qualquer outra coisa. Assim como eu, qualquer outra pessoa pode fazer isso, mas elas ainda não sabem como isso é importante, talvez porque elas não consigam identificar-se com ele, ou algo assim.  Eu não sei.  Mas essa conversa de “alto” e “baixo” funcionamento que fica acontecendo o tempo todo, para todo lado, que tem a finalidade de nos separar, de alguma forma machuca meus olhos, ouvidos e sentimentos e por isso eu tenho que escrever sobre isso.”

 

Que habilidade a Ibby tem de expressar o que sente, não? Fiquei pensando… Será que algum dia verei as pessoas serem valorizadas pelo que são? Mais importante: serem valorizadas por si mesmas?

Talvez não nesta encarnação; não me iludo. Mas já fico muito animada quando observo as que despertaram para isso. Meu respeito e amor a todos que encontram valor no outro, independentemente de como ele se expresse e do valor que tem socialmente.

Talvez você aprecie ler o texto completo. E talvez seja mais um a valorizar o que o outro só entrega quando se sente aceito e acolhido. Isso não é caridade; é inteligência social.

 

A foto mostra Ibby Grace, que tem uma expressão muito acolhedora

 

Para saber mais:

 

O autismo em tradução

Blog da Ibby (em inglês)

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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