Pequena Miss Sunshine

 

Cartaz do filme mostra a tônica da narrativa: correr para chegar e para vencer. (Todas as imagens foram retiradas do Google)

Cartaz do filme mostra a tônica da narrativa: correr para chegar e para vencer.
(Todas as imagens foram retiradas do Google)

 

Atualizado em 31/05/2019

 

Que tal aproveitar o fim de semana para se deliciar com a Pequena Miss Sunshine?

Para rir, trazer poesia para sua vida, se enternecer. E para viver uma aventura sem sair de casa!

Gostei tanto, que de vez em quando assisto novamente. Gosto de me divertir com a carismática menininha que quer vencer o concurso de miss infantil da Califórnia.

Aparentemente, ela não tem nenhuma condição. Mas…

 

Ah, os padrões…

 

Mas por que não tem condições?

É que Olive está fora dos padrões. Ela é gordinha, sua postura não é atraente, tem um cabelo sem nenhum charme e um andar desengonçado… Ao contrário, suas concorrentes vestem roupinhas charmosas, têm cabelos com corte moderno e estão maquiadas. Além disso, nitidamente sua postura foi treinada para o desfile, e o sorriso é escancarado. São miniadultas.

Isso não parece importar: Olive acha que tem condições de vencer e vai em frente.

 

Olive é esta que está no meio. Tão diferente das outras meninas padronizada, não? Tão espontânea...

Olive é a que está no meio. Observe bem. Tão diferente das outras meninas, não? Um ponto fora da curva…

 

 

Fracassados vivendo num pandemônio

 

A família de Olive é composta do que os norte-americanos denominam losers: perdedores, fracassados. Cada um a seu modo. A casa é um pandemônio: há conflitos constantes, gritos, injúrias.

O filme quase todo se passa entre a saída da família da pequena cidade de Albuquerque, no Novo México, para chegar até a Califórnia, onde acontecerá o concurso de miss. Em uma Kombi caindo aos pedaços, eles atravessam mais de mil quilômetros, sendo confrontados com adversidades e com o que há de mais humano em cada um.

Nas cenas iniciais, conhecemos Richard, pai de Olive. Ele é um homem que rejeita o fracasso a qualquer custo e tenta desesperadamente vender seu programa motivacional.

É interessante notar que a narrativa trabalha para ressignificar sucesso e fracasso e o que importa de fato na vida.

 

Esta kombi vai fazer você dar boas gargalhadas!

Esta kombi rende boas gargalhadas! Ela também é um personagem: preste atenção nisso!

 

 

Humano, demasiado humano

 

Vivemos numa sociedade que valoriza o sucesso e considera o erro e os infortúnios algo vergonhoso.

Temos vergonha de admitir desde as coisas mais simples até as mais complexas: que estamos resfriados ou que escolhemos mal a esposa ou o esposo. Que estamos com depressão ou que compramos frutas passadas na feira.

Infelizmente a maioria das religiões colabora para isso, pois muitas enxergam as situações adversas como castigo de Deus. Por sua vez, outras têm uma visão muito negativa do chamado karma, que, na verdade, não tem nada de negativo.

Se encarar esse estado de coisas é difícil para o “comum dos mortais”, que dizer quando se trata de uma pessoa com deficiência?

Não temos como esconder as pernas atrofiadas, as mãos sem movimento, a coluna envergada e por aí vai. Alguns até tentam, mas vamos combinar: não têm sido bem-sucedidos.

Como os pais vão esconder os olhinhos puxados dos pequenos com síndrome de Down? Como a moça vai esconder que vazou xixi na linda roupa de festa? Como esconder que alguma coisa não subiu na hora do sexo aguardado com tanta ansiedade?

Sim. Lidamos com isso o tempo todo.

 

 

Limites existem, e está tudo bem

 

Pequena Miss Sunshine nos provoca. Talvez queira nos esfregar na nossa cara que não importa quem somos ou o que façamos. Uma hora a máscara cai, a maquiagem borra, o verniz fica arranhado.

Como fica mais leve quando conseguimos admitir que somos quem somos e que há algumas coisas que não se pode mudar. Que podemos lutar para recuperar movimentos, bombar músculos, ser pessoas bem-sucedidas, não fazer xixi na roupa, mas há limite para tudo, por mais que muitos insistam em dizer que não, ou que eles são para os fracos.

A verdade é que encarar os limites é só para quem é humano. Forte. Corajoso. Para quem não precisa escondê-los. Se eles poderão ser transpostos, só o tempo dirá.

Pequena Miss Sunshine tem condições de promover um encontro do espectador com seu lado obscuro, aquele que não queremos enxergar. Isso é o que mais gosto no filme.

 

 

 

Admitindo insuficiência

 

Ao lado disso, muitos dentre nós não têm coragem de pedir um favor, pois isso também pode ser considerado algo que diminua a pessoa. Alguns alegam timidez, dizem que não querem incomodar… Mas será essa a verdade? Não será vergonha de admitir a própria insuficiência?

Contudo, temos como viver sem pedir auxílio a outra pessoa, especialmente se temos alguma deficiência? Ainda mais numa sociedade que não é inclusiva?

Mesmo que eu conserve a ilusão de que não preciso de uma casa adaptada (posso alcançar o interruptor lá no alto, imagina…), não preciso de ajuda para pegar algo no chão (mesmo que eu cair quando abaixar, me levanto novamente, imagina…), não preciso de auxílio para mudar a temperatura do chuveiro (posso quebrá-lo com pancadas de cabo de vassoura), a verdade é que preciso de ajuda o tempo todo.

Precisamos.

Mas ter de pedir ajuda também costuma ser algo visto como fracasso. Estou errada?

 

 

Não preciso de ninguém?

 

Sim, é chato demais ter de pedir ajuda o tempo todo. Sim, precisamos de uma cidade mais inclusiva. Mas não, não é disso que falo.

Aqui estou tratando de uma dificuldade que atinge muitos, com ou sem deficiência: admitir que precisamos do outro. Precisamos uns dos outros.

Pequena Miss Sunshine também coloca o dedo nessa ferida.

Será como esta história vai terminar? É claro que não vou dar spoiler… Se ainda não assistiu ao filme, tranquilize-se.

 

 

 

Por que você precisa ver

 

Porque o filme é divertidíssimo. Porque é emocionante. Porque Olive é um encanto, mesmo sendo tão desajeitada – ou será que ela é um encanto justamente por isso?

Para descobrir que todos somos Olive.

E porque, ao final, descobrimos que é bom ser humano. E que não se perde tanto assim por não se fazer parte do rebanho. 😉

Na verdade, se ganha. Deixa os ombros mais leves.

 

Sem nenhuma dúvida, Olive é linda ao modo dela

 

Para saber mais:

 

  • Pequena Miss Sunshine | Data de lançamento: 20/10/2006 (1h40min)
  • Ah! Para se deliciar ainda mais com o filme, leia A construção da beleza.

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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