Hoje é Dia dos Namorados, e também das inúmeras reflexões sobre o direito das pessoas com deficiência ao amor, ao sexo, à formação de família.
Mas minha intenção não é falar disso, é muito mais simples. Quero dividir com você um pouco do que minha experiência como pessoa, e como pessoa com deficiência, me permitiu concluir sobre os nossos relacionamentos amorosos.
Vem comigo para este momento de intimidade?
(Nota: Algumas fotos não têm crédito, porque não descobri a autoria. Se souberem a autoria, me avisem, por favor.)
Editado em 12/06/2019
Gente como a gente
Não fico mais admirada quando me olham como se eu tivesse acabado de descer de uma nave espacial. Até chego a achar graça. Num país que descuida da educação e da inclusão da criança com deficiência, não é de espantar que muita gente jamais tenha tido contato com um cadeirante, um cego ou um surdo.
Mas me causou incômodo, na época da faculdade, um cara me lascar uma pergunta indiscreta à queima-roupa, sem a menor delicadeza, embora eu entenda que nem todo mundo aprendeu a ter elegância no trato.
— “Você consegue fazer sexo?”
— “Por quê? Está pensando em me convidar?”
Vai uma ajudinha aê?
Ultimamente estou pensando em colocar um adesivo no carro, usar um botton ou carregar uma placa na cadeira de rodas com os seguintes dizeres:
“Sou gente.”
Simples assim.
Neste ponto, pergunto: o que é que gente costuma fazer quando sente o desejo aflorar?
Alguma coisa ficou quente aqui dentro…
Ao entrar na adolescência, quando senti despertar em mim aquela vontade de namorar, não tínhamos informações disponíveis sobre a vida sexual e amorosa da pessoa com deficiência. Não havia internet, e, veja só, as informações costumavam ser obtidas no consultório médico.
Na infância, meu médico havia dito à minha mãe que ficasse tranquila, pois meu esfíncter iria voltar a ter um bom funcionamento, e eu não iria fazer xixi no meu marido. E, no início da adolescência, uma vizinha caridosa me aconselhou a voltar a andar logo, do contrário não iria conseguir me casar.
Mas os médicos não ajudavam, mesmo que fossem ginecologistas, porque, além de não terem a informação adequada (me perguntavam cada coisa…), estavam cheios de preconceitos com relação à sexualidade da pessoa com deficiência.
Namorar é transar?
Mas o interessante é que ninguém falava comigo sobre relacionamento amoroso. Parece mesmo que tudo se resumia a arranjar namorado ou marido, exercitar os genitais e, por fim, ter filhos… No caso dos meninos, penso que não deveria ser diferente…
Como a sexualidade e o amor, em nossa cultura, têm sido reduzidos à penetração, é compreensível que muitos conflitos e dúvidas surjam quando uma pessoa adquire uma deficiência. Assim como também surgem questionamentos com relação a poder ou não trabalhar, por exemplo.
Só que tudo baseado em competência e desempenho, concordam? Namorados que se cuidem!
Será que o mundo acabou?
Não são poucos os casais que terminam relacionamento nessas circunstâncias, porque acham que tudo acabou.
Porém, aos poucos, muitos conseguem enxergar que nada acabou, embora tenha se transformado substancialmente. O desejo não acabou, a sensibilidade pode ser recuperada – ou pode aparecer em outras regiões do corpo -, e a fantasia terá um papel importantíssimo, se é que até hoje não tenha participado ativamente da relação.
Pode ser possível ter filhos, continuar a trabalhar, viajar – e muito, muito mais.
Os primeiros relacionamentos
Ao contrário do que eu pensava, não tive nenhum problema para iniciar minha vida sexual. Foi natural como espirrar, porém mais gostoso…
E acabei descobrindo que o difícil mesmo era amar, conviver, construir um relacionamento com um Outro. Seria preciso aprender a duras penas que nenhum Outro tem obrigação de ser do jeito que eu quero ou defino como bom.
Entretanto, é preciso lembrar que isso não ocorre comigo ou com você porque temos uma deficiência, mas sim porque acontece com todo mundo, concorda?
Conclusão: amar não é natural como espirrar. Namorar não é, casar também não… Pelo menos, não quando queremos construir um relacionamento maduro, satisfatório e enriquecedor para os dois parceiros.
Peculiaridades das pessoas com deficiência
Com certeza há especificidades no que se refere a ter um relacionamento amoroso com pessoas com deficiência, mas também é verdade que sempre há peculiaridades quando o assunto é gente.
Só que as pessoas pouco falam de si mesmas, de seus gostos e preferências, de suas limitações, pois parecem se envergonhar disso. Não é por acaso que vivemos tantos conflitos nas relações, afinal não nos expressamos… Aceitamos um relacionamento encaixotado, mesmo quando não nos satisfaz.
Insegurança com o próprio corpo
Se há homens cadeirantes que fazem cateterismo ou que têm dificuldade de manter a ereção, há, também, homens sem deficiência que se sentem inseguros com sua anatomia, a ponto de essa questão afetá-los no relacionamento.
Se há mulheres cadeirantes que têm receio de não ser aceitas porque perderam a sensibilidade, há também as que, sem nenhuma deficiência, se sentem inferiores porque nunca tiveram orgasmo.
Cada um é cada um, e quanto mais eu achar que sou um alienígena (eu achar, e não o outro achar que sou), pior fica. Quem vai conseguir ter um relacionamento prazeroso se está com a autoestima tão baixa?
Mas preste atenção nisso. Em matéria de amor e sexo, não existe padrão. Cada um ama do seu modo – e transa do seu modo.
Amor é divino, sexo é animal (diz a Rita Lee)
Ao longo dos anos, foi ficando claro para mim que sexo rola mais fácil, e é muito mais gratificante, quando a gente já conhece melhor um ao outro, mesmo que seja apenas pela internet.
Quando ambos já descobriram as afinidades e conhecem minimamente do que o outro gosta ou não, sentem-se mais seguros. Dessa forma, podem abrir mão dos medos e das vergonhas e se sentir mais à vontade.
Ao nos sentirmos confortáveis um com o outro, estas e outras questões possivelmente ficarão secundárias:
- Será que ela vai continuar a fim de mim se eu contar que tenho que esvaziar a bexiga antes de transar?
- Ai, meu Deus, fiz xixi no meu namorado, e agora?
- Não tenho coragem de ter um namorado, porque meu corpo é muito estranho, cheio de cicatrizes…
E, assim, pode ser que acabemos por descobrir que ele ou ela não está interessado em mim por causa da aparência. Um curte estar perto do outro por inúmeras razões… Podem ser tantas, né?
As aparências enganam
Agora, quando o assunto é sair para paquerar, a aparência pode contar sim, e muito. Então, pode ser que, de fato, o outro prefira se aproximar de uma pessoa que esteja dentro dos padrões. Talvez a própria pessoa com deficiência vá agir dessa forma, preferindo, ainda que inconscientemente, alguém aceito socialmente…
Ainda que possa até rolar um papo e ambos descobrirem afinidades, em geral, numa paquera, as pessoas se encantam é pela beleza do outro, pelo charme, pela sensualidade.
Só que isso vale para qualquer ser humano, com deficiência ou não. Quanto mais a pessoa estiver fora dos padrões vigentes, menos chances de rolar paquera ou de um segundo encontro se seguir ao primeiro.
Por isso, me parece essencial que possamos nos sondar para conhecer nossos desejos mais profundos, antes de sair em busca de um futuro parceiro ou parceira.
No meu caso, por exemplo, compreendi que não vale a pena ir em busca de alguém na balada, porque, para ficar com uma pessoa, preciso de conversas mais profundas, de filosofar, conhecer melhor o outro… Então, é mais provável que eu me interesse por alguém em outro contexto, e vice-versa, não lhe parece?
Sobre o que é essencial, ou suficiente
Existe coisa melhor do que ter vontade de ficar coladinho na outra pessoa? E, se rolar sexo, melhor ainda. Conversar até o dia nascer. Comer juntos, passear, receber e mandar mensagens quando se está distante, ver TV, tomar banho, até arrumar a casa juntos pode ser bom…
Ah, e se ambos sentem tanta satisfação em estar próximos um do outro, fica fácil “desencanar”. Se despir. Não só tirar a roupa, mas tirar os medos e as vergonhas.
Sabe o que acontece num caso desses? A pessoa pode até achar a gente meio alienígena, mas talvez a afeição e o desejo sejam despertados exatamente por causa desse “DNA estrangeiro”…
Algumas perguntas a se fazer
Se o seu corpo é diferente do padrão, seu jeito de fazer as coisas é bastante singular, e você tem medo de que o outro não te aprecie por causa disso… considere por alguns momentos, honestamente:
Em que tipo de relacionamento você se sentiria bem? O que é preciso para você se sentir confortável? Você sabe?
Os relacionamentos não têm acontecido na sua vida? Ou acontecem, mas não prosseguem? Você tem colocado toda a culpa no outro? Será que não é você que está procurando um homem perfeito ou uma mulher perfeita?
Não temos tempo de temer a vida
Vale a pena parar pra pensar, sem medo do que vamos descobrir. Já parei muito pra pensar a respeito e descobri que muitas vezes me comportei de forma a espantar o outro, não por causa da minha deficiência, mas pelas crenças e preconceitos. Meus, não do outro.
E, para finalizar, é importante lembrar que ninguém tem obrigação de namorar. Afinal, não há receita para ser feliz, nem há quem tenha o direito de determinar o que é melhor para nós.
Contudo, se for da sua vontade ter um amor, não perca tempo. Vale a pena procurar compreender os medos e as inseguranças para, assim, ultrapassá-los.
Não temos tempo de temer a vida.
Até a próxima, com um grande beijo,
Laura Martins
Tudo é divino maravilhoso
Atenção ao dobrar uma esquina
Uma alegria, atenção menina
Você vem, quantos anos você tem?
Atenção, precisa ter olhos firmes
Pra este sol, para esta escuridão
Atenção
Tudo é perigoso
Tudo é divino maravilhoso
Atenção para o refrão
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte
Laura!!! Adorei o texto!
Sexo é fácil, instintivo (natural?), o desafio está no saber amar (Concordo!).
E que bom você compartilhar suas experiências!
No final, todos estamos no mesmo barco, mas percebemos que cada um pode ser capitão de suas escolhas, sejam solas ou em conjunto!
Adorei!
Beijos!
Querida Maíra, agradeço pela visita e pelo comentário!
Sim, todos estamos no mesmo barco. E que bom quando temos a consciência de que podemos escolher, não é mesmo?
Um grande beijo!