A beleza dos corpos fora dos padrões

Como fica a beleza quando os corpos estão fora dos padrões? Ter uma deficiência física afeta a percepção que os outros têm da nossa beleza? É motivo para não se sentir bonito ou desejável? Que tal a gente conversar a respeito? Para isso, hoje contamos com o precioso auxílio da psicóloga Alcione Albuquerque! 

Na foto, retirada do Google, a linda Chantal Petitclerc, atleta paralímpica

 

Ferida na autoimagem

 

Adquirir, ou nascer com uma deficiência visível, que altere a aparência, pode ser algo que cause impacto por si só. Afinal, vivemos em uma sociedade que hipervaloriza o exterior e o material.

Ao se perceber com uma aparência incomum, a pessoa pode vir a ser alvo de olhares curiosos, no mínimo, e até acabar sofrendo bullying.

Sem dúvida, isso pode afetar, em maior ou menor grau, a percepção que ela tem de si mesma. Consequentemente, pode influenciar a forma como se relaciona com o mundo e, por fim, impactar toda a sua vida.

Porém, apesar dessa sensação de desconcerto e até de perda da identidade, que pode ocorrer quando se adquire a deficiência, o fato é que tudo isso pode ser transitório.

Afinal, todo ser humano tem a condição de se reconstruir. A autoestima é recuperável e pode até mesmo sair fortalecida após as crises. E o indivíduo pode se descobrir bonito e desejável mesmo com seu corpo fora dos padrões, com órteses ou próteses ou seu equipamento de locomoção.

 

 

Em busca do estar bem

 

A autoestima de uma pessoa está também vinculada ao fato de ela se sentir bem com sua aparência.

Mas, certamente, quem está fora dos padrões impostos pela sociedade enfrenta inúmeros desafios para se sentir bem consigo mesmo. Como consequência de não ser considerada socialmente, a pessoa pode encontrar dificuldades até mesmo para adquirir uma peça de vestuário.

Felizmente, esse padrão tem sido cada vez mais questionado, e é bom que isso ocorra, porque a beleza é diversa.

Para conversarmos hoje sobre este assunto instigante, entrevistei a psicóloga Alcione Albuquerque. Vamos conferir o que ela tem a nos dizer?

 

 

Entrevista | Alcione Albuquerque

 

Cadeira Voadora | Para muitas pessoas, beleza é futilidade. O que você pensa a respeito?

Alcione Albuquerque | De acordo com Luigi Giussani, filósofo contemporâneo italiano, “podemos passar um dia sem pão, mas nenhum dia sem a beleza”. Donde se conclui pela não futilidade da beleza.

Em torno de nós a natureza é um canto à beleza. A profusão do belo é tamanha que passamos a não vê-lo, por não valorizá-lo, dada sua “naturalidade”. O belo, então, é natural. Combina com harmonia, com nosso conceito do que seja bom.

Aqui, o bom e o belo fazem parceria em nosso psiquismo, tanto que somos passíveis de cair em armadilhas “belas”, reduzindo o conceito apenas à aparência e ignorando a essência. De fato, o essencial é o belo, mas o belo-bom.

 

A psicóloga Alcione Albuquerque

 

 

Podemos viver melhor se dermos atenção à beleza, assim como damos à saúde, por exemplo?

O cuidar da beleza em sua forma equilibrada – quer dizer, não viver para isso, mas tirar proveito disso – sem dúvida é saudável e contribui para o bem-estar geral do organismo dos indivíduos.

Mesmo quem nasceu portador da beleza in natura, se não se cuidar, perde o brilho.

Aqui podemos falar – por que não? – de uma beleza “higiênica”. Cabelos brilhantes soltos ao vento, com um leve perfume, dependeram de um bom banho! Um lindo sorriso com dentes cariados ou mal escovados não convencem…

Para que o resultado favorável exista, temos que valorizar o cuidado pessoal.

 

Beleza ou ornamento?

 

“Quem não se enfeita, por si se enjeita”, como diziam nossas avós?

O enfeite, aqui, se apenas sinônimo de ornamento, não terá grande valor. Vovó de fato dizia: “Por fora está um luxo só; por dentro está que dá dó!”.

Mas, se o tomarmos como sinal de contemporaneidade, de “estarmos plugados”, transforma-se em signo de cultura e revela o nível cultural de seu portador. O enfeitar-se depende de uma grande coerência entre o quem sou, onde estou e aonde vou.

Gosto de metaforizar de forma bem extremada quando o tema é este. Imaginemos alguém convidado a um piquenique comparecendo em trajes de gala, vestido cauda de sereia, smoking… ou, ao contrário, alguém, num baile de gala, de bermudas e chinelão!

Entenderam, não? Enfeites são o toque final do seu cuidado consigo. Portanto, vamos usar a regra da haute couture: com menos é melhor. Então, enfeite-se apenas para dar destaque ao que você já tem de melhor. E ponto. Nada de incorporar o personagem da árvore de Natal… rsrs

Você que é belo e gosta de si não precisa disso.

 

Belo é quem se cuida?

 

É verdade que quanto mais eu me amo, mais eu me cuido?

Claro! Quanto mais eu me amo, mais me cuido! Amar é cuidar. Quem ama cuida. Comece por você, pelos que estão a sua volta. Seu ambiente. Sua casa. O planeta.

Meses atrás fui chamada para prestar uma sessão de terapia a uma pessoa que estava hospitalizada, em estado grave. Quando lá cheguei, encontrei uma doente suja, num quarto sujo, com péssima aparência. E num hospital conceituado.

A favor da equipe de limpeza do estabelecimento, o que eu soube após me informar é que a paciente, além de mal fisicamente, mostrava-se mal-humorada , “expulsando” a todos que tentavam se aproximar do seu quarto, inclusive a equipe de limpeza. Suspiraram aliviados ao saber que “a psicóloga chegou”!

Enfim, depois de conversar com ela, vi que teve lá as suas razões… O fato que interessa aqui é que, entre outros procedimentos, pedi a ela que chamasse uma amiga que pudesse banhá-la, trocá-la, e, após limpar o quarto, trouxesse alguns elementos embelezadores para aquele ambiente. Ela me confessou um grande amor por uma coleção de almofadas que tinha em casa, resultado de suas muitas viagens.

Em resumo, voltando na semana seguinte encontrei um ser humano muito mais dignificado e com mais predisposição para o enfrentamento de sua grave doença. (A propósito, ela já voltou para casa, ainda doente, porém melhorada para o que há de vir.)

 

 

Beleza e cadeira de rodas

 

A cadeira de rodas, em sua opinião, é um empecilho para a beleza?

Não, a cadeira de rodas não é um empecilho, senão estaríamos aqui invertendo valores.

A cadeira não é mais importante do que o indivíduo que dela se serve. Quem está ali assentado é uma pessoa, bela, culta, cuidada, cheia de autoestima, ou não.

Não será a cadeira que irá determinar isto.

 

 

Quem é Alcione Albuquerque

 

Nascida nos anos 50, em BH, Alcione é psicóloga especialista clínica há mais de 30 anos. Presta, também, atendimentos online.

Para ela, o ser humano é uma história fascinante, a ser desvendada e aprimorada para que ele possa tornar-se finalmente pessoa. 

É também professora de Ética Profissional, mãe de muitos filhos e avó de muito mais netos.

Viveu com uma pessoa em cadeira de rodas, sua mãe, já falecida. Como era filha única, teve muito a aprender nessa convivência. Para ter acesso ao seu Instagram, clique aqui.

 

Para saber mais:

 

O corpo fora dos padrões e a beleza que o amor revela | Fatine Oliveira

Bate-papo entre a estilista Chiara Gadaleta e Laura Martins sobre moda inclusiva e corpos fora do padrão

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

6 Comments

  1. Laurinha, juro que já tentei deixar comentários (isso faz algum tempo, no tempo do blog), mas nunca acertava. Adorei esta entrevista! Que pessoa bacana é a Alcione… e vc, ótimas perguntas. Parabéns! bj

    • Oi, Selma, obrigada pela visita!

      Parece que está mais fácil deixar comentários agora, com esta nova plataforma. Que bom!

      Eu também adorei a entrevista da Alcione. Ela vai gostar de saber que vc também gostou.

      Beijo grande!

  2. Adorei o blog! Um plantio, um caminho benfazejo que nos concita a ver o belo que existe em nós. Você é uma pregoeira do bem, o próprio exemplo de beleza em que nos devemos espelhar.
    Beijos da Genaura Tormin

  3. Estou adorando tudo, tem como colocar umas carinhas de emotions pra gente expressar melhor?

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