Em Londres com cadeira de rodas

Hoje, quem compartilha suas experiências conosco é Marília Carvalho, que tem mobilidade reduzida por causa da esclerose múltipla, e por isso utiliza cadeira de rodas para percorrer distâncias maiores. Vamos conferir o relato dela sobre Londres? No final do texto, você encontrará link para todos os posts sobre a cidade publicados aqui, no Cadeira Voadora. Depois, é só salvar numa pastinha dos Favoritos!

Marília está na ponte, observando o Rio Tâmisa e o Parlamento

 

Por Marília Carvalho*

 

Acabo de chegar de Londres e decidi partilhar minha experiência por lá, que foi muito bacana. Esta foi minha primeira viagem usando cadeira de rodas. Tenho esclerose múltipla, o que no momento significa que tenho mobilidade reduzida: consigo andar pequenas distâncias usando uma bengala, mas, para mais que um quarteirão, só de cadeira.

Sou professora universitária e fui a Londres para participar de um congresso acadêmico. Depois, fiquei mais uma semana passeando na cidade. Como a libra está muito valorizada frente ao real, tudo é muito caro por lá pra nós, brasileiros, e não dava pra ficar mais tempo.

 

Preparando a viagem

 

Tentei contato com agências de viagem especializadas em turismo adaptado, tanto em Londres quanto em São Paulo, onde moro, mas não deu certo. A única indicação útil que me passaram foi de uma empresa que aluga cadeiras de rodas lá. Isso foi ótimo: reservei e paguei daqui, com antecedência, eles me levaram a cadeira no aeroporto e depois pegaram no hotel onde fiquei. (London Wheelchair Rental Ltd.)

Para passeios, foi proveitoso conversar com um agente de viagens de São Paulo que eu já conhecia e que teve a maior boa vontade. Ele me colocou em contato com uma agência de brasileiros em Londres, que já tinha dado suporte a viajantes com cadeira de rodas. Conversamos por e-mail, expliquei o que queria e fechei com eles um passeio de reconhecimento no primeiro dia em Londres. Já, já conto como foi.

 

Hotel e passagens

Quanto a hotel e passagens, escolhi sozinha pela internet. Como ando um pouco e consigo subir degraus, selecionei um hotel simpático no centro, de preço razoável, que tivesse café da manhã incluído, me colocasse no andar térreo e tivesse muitas opções de onde comer por perto. Viajei com uma amiga e dividimos o apartamento.

Compramos as passagens de avião com muita antecedência, para conseguir bons preços, e já na compra solicitei apoio de cadeira de rodas nos aeroportos daqui e de lá.

 

Primeira viagem com mobilidade reduzida

 

Tudo acertado, parti para minha primeira viagem internacional com mobilidade reduzida.

O atendimento da British Airways no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, foi simpático e eficiente. Infelizmente, não posso dizer o mesmo do aeroporto de Heathrow, em Londres.

 

Experiência ruim em Heathrow

A empresa construiu um terminal exclusivo nesse aeroporto (terminal 5), que só ela usa, portanto é uma responsabilidade total deles.

Na chegada do voo, um comissário de bordo me indagou se eu conseguia descer a escada do avião, e, como disse que sim, me largaram sem qualquer orientação.

Eu e minha amiga esperamos o movimento dos passageiros diminuir e descemos mais pro final. Nos deparamos com um ônibus lotado para o trajeto até o saguão, e só pude me sentar porque um passageiro foi gentil. Esse ônibus nos deixou, junto com todos, a mais de 200m de um “posto de atendimento a necessidades especiais”, que só descobrimos após perguntar a um funcionário que passava.

Esse “posto” era composto por algumas cadeiras, longe de banheiros e de água pra beber, e lá havia cerca de dez passageiros – idosos na maioria, quase todos sem falar inglês. Os funcionários gritavam e brigavam entre si e com os passageiros; havia pessoas esperando lá há cerca de 3 horas, ninguém sabia informar nada.

Esperamos por 30 minutos e só então apareceu um funcionário, que nos levou ao andar de cima para passar na imigração e pegar as malas. A amiga que estava nos esperando no saguão do aeroporto ficou desorientada. Só não foi pior porque consigo andar pequenas distâncias, estava acompanhada e falo inglês.

Morri de saudades do atendimento amigo e bem organizado do Brasil, que deu de dez a zero nos ingleses.

 

Marília passeando no Picadilly Circus

Passeando em Londres

 

Fora esse tropeço indesculpável da British Airways, tudo o mais foi ótimo em Londres. Ter contratado um passeio “a pé” com o Diogo Lopes (Consultoria em Viagens Internacionais), logo no dia seguinte à chegada, foi um grande acerto.

Ele nos encontrou no hotel e, antes de mais nada, a nosso pedido, ensinou como comprar o cartão do ônibus/metrô (OysterCard).

 

OysterCard: como funciona

Você não consegue pagar em dinheiro dentro do ônibus, tem de comprar um cartão, o que fizemos na estação de metrô, que era perto.

A passagem unitária sai muito mais cara que os múltiplos, então optamos pelo semanal. Detalhe: você paga 5 libras pelo cartão, mas no final pode devolver e tem seu dinheiro de volta.

Também pode ser feito um cartão pré-pago, como o celular, só que os créditos que não forem gastos também são devolvidos.

 

Circulando de ônibus

 

Depois disso, fomos no ônibus junto com nosso guia, com a cadeira: facílimo.

Todos os ônibus têm rampa e um lugar reservado, os motoristas são gentis, todos te esperam entrar e sair.

Os famosos ônibus vermelhos de dois andares contam também com um ajudante na parte traseira, sempre disposto a auxiliar com a cadeira na rampa e informar sobre trajetos e pontos onde descer.

Com essa experiência inicial, eu e minha amiga nos sentimos seguras para andar nos ônibus comuns em todos os passeios cujo destino permitia.

Consultávamos antes os trajetos pela internet e deu certo todas as vezes.

Quase sempre voltávamos de táxi, porque já estávamos cansadas; e preferimos não usar o metrô, porque nem todas as estações são adaptadas e porque no ônibus a gente ia apreciando a cidade. (Tem boas informações em http://mapadelondres.org/acessibilidade-o-que-londres-tem-a-ensinar/)

Quanto aos táxis de Londres, vale a pena usar sempre os blackcabs, os táxis pretos. São carros grandes que cabem bem a cadeira de rodas e malas, se houver. Os taxistas são treinados, super gentis, corretos e sabem todas as ruas de Londres. Tem outros tipos de carro, nem sempre tão bons, todos a mesmo preço. Não é barato, mas deu pra encarar.

 

Pontos turísticos que visitamos

 

O Diogo nos levou a alguns dos principais pontos turísticos de Londres: Abadia de Westminster, Big Ben, Parlamento e London Eye; casa do primeiro ministro; Trafalgar Square e National Gallery; Picadilly Circus e Regent’s Street; Covent Garden, algumas ruas do Soho e de Chinatown.

Tudo isso na cadeira de rodas: a cidade é quase toda plana e as calçadas são amigáveis, lisas e com rampas para descer.

Todos os museus nacionais, como a National Gallery, são gratuitos (somente as exposições temporárias especiais são cobradas), mas paga-se para entrar nas igrejas. Optamos por vê-las de fora, com as explicações e informações interessantes do Diogo.

Terminamos o passeio comendo num pub, e nosso simpático guia ainda nos passou várias outras dicas de lugares interessantes e acessíveis, conforme nossos interesses.

Claro que Londres tem muuuito mais coisas pra ver e fazer, e cada um tem de escolher conforme o que mais gosta e tem curiosidade. Além disso, Londres é hoje a cidade mais visitada do mundo, e os pontos turísticos estão sempre lotados, ainda mais em pleno verão (junho a agosto). Mas esse primeiro passeio nos deu uma boa visão da cidade, de alguns dos lugares que queríamos conhecer e uma noção de como circular por lá.

 

Foto 3 - Rio Tâmisa

Pôr do sol no Tâmisa

 

Outros passeios

 

Globe Theater

Já tínhamos comprado, no Brasil, ingressos para assistir uma peça de teatro do Shakespeare no Globe Theater. Foi uma experiência maravilhosa!

O Globe é uma reconstrução do que provavelmente era o teatro na época de Shakespeare: a céu aberto, com bancos de madeira e parte da plateia em pé. Assistimos a uma comédia e, pra garantir que entenderíamos, lemos antes uma versão traduzida.

Os atores eram excelentes, o espaço maravilhoso, a música ao vivo com instrumentos de época. Nem vimos passar as quase três horas de espetáculo.

Fui só com a bengala, tínhamos escolhido lugares aonde se chegava subindo uns poucos degraus e deu tudo certo.

Na entrada vendem comidinhas e alugam almofadas (a arquibancada é bem dura). Na saída, curtimos o pôr do sol de verão (às 21:30h!) na beira do Rio Tâmisa, uma delícia.

 

Tate Modern

Ali do lado fica a Tate Modern, uma imensa galeria de arte moderna e contemporânea do mundo inteiro.

O prédio é uma atração em si, adaptado a partir de uma antiga usina de eletricidade, e as exposições são maravilhosas. Tudo acessível e de graça.

Tem muitos lugares onde comer ali por perto sem gastar demais, inclusive dentro da Tate. Eu e minha amiga adoramos lojinhas de museu, cheias de coisas lindas, livros e gravuras, portanto reservamos tempo pra isso.

Na saída rodamos pelas margens do Tâmisa até quase chegar na London Bridge, tomamos cerveja num pub e depois voltamos, para cruzar a Milenium Bridge. É uma ponte só para pedestres, com uma vista linda e que vai dar bem na frente da Catedral de St Paul’s (onde a Kate Midleton se casou com o príncipe).

São passeios que podem ser feitos todos no mesmo dia, conforme o pique e os interesses de cada um. Nós fizemos em dois dias diferentes.

 

Regent’s Park

Um lugar imperdível para quem vai a Londres, principalmente em junho, é o Regent’s Park. Fomos de ônibus e rodamos lá com a cadeira de rodas com facilidade.

É um parque imenso, lindo, com poucos turistas e muitos londrinos. Tem o zoológico e um lago com patos, marrecos e cisnes.

Mas o ponto alto é o jardim de rosas da Rainha Mary. Elas florescem em junho e você sente o perfume antes mesmo de ver as rosas – canteiros e mais canteiros de rosas de todas as cores.

Compramos uns sanduíches e fizemos um delicioso piquenique, partilhando nossas amêndoas com os esquilos.

 

Foto 4 - Regent's Park

Marília no jardim do Regent’s Park

 

Greenwich

Também fomos a Greenwich, que valeu principalmente pelo passeio de barco no Rio Tâmisa (se você comprou o OysterCard, tem direito a um desconto no tíquete do barco regular).

Estava muito calor, um sol de rachar, e fomos de ônibus até o embarque em Westminster. Os pontos de embarque e desembarque são acessíveis, com apenas um pequeno degrau para entrar no barco.

No trajeto você avista muitas das atrações turísticas da cidade, incluindo a famosa Torre de Londres, que já foi prisão.

Em Greenwich, queríamos ir ao parque, mas encontramos pouca informação e acesso difícil com a cadeira de rodas – todos nos diziam que havia uma subidona.

Com o calor, desistimos e fomos almoçar, por sorte no restaurante do chef celebridade da TV Jamie Oliver: Jamie’s Italian (uma rede popular que ele fundou, a preços acessíveis).

 

Foto 5 - no barco

Passeio de barco no Rio Tâmisa permite contemplar vários cartões-postais londrinos

 

Todos os restaurantes de redes a que fomos eram bem equipados, com rampas, passagens espaçosas e banheiros adaptados. Só os pequenos, de bairro, eram mais precários, mas tudo se resolvia com boa vontade, que os londrinos mostraram ter de sobra.

 

Mais museus

Completamos nossa programação com a visita a dois outros museus: o British Museum – imperdível e imenso, precisa escolher antes o que quer ver; e o Victoria and Albert Museum – especializado em design, maravilhoso, num prédio lindo.

Como os demais, são de graça, totalmente acessíveis e têm lojas, lanchonetes e restaurantes dentro.

Vale lembrar que Londres tem muitíssimos outros museus bacanas, especializados em arte, história, ciências, curiosidades, família real, arquitetura, etc. Basta escolher e se divertir!

 

Foto 4 - Regent's Park (2)*Marília Carvalho é leitora do blog Cadeira Voadora, que foi inspiração para animá-la a viajar e a escrever este relato.

Se você também acha que seu relato de viagem com cadeira de rodas ou muletas pode ser útil a mais alguém, mande pra cá!

Assim, nós, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, vamos formando uma rede de auxílio para que possamos viajar mais e com mais conforto.

Obrigada, Marília, pela disponibilidade!

 

 

 

 

Para saber mais

 

Posts sobre Londres no Cadeira Voadora

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

2 Comments

  1. Roberta Jamelli Domingues de oliveira

    Obrigada por compartilhar !
    Ajudou muito !
    Tb passei por uma coisa parecida em bogotá com a avianca ! Tive que quase carregar meu marido !!!
    Ele nao sobe escadas por conta de doença neurodegenerativa !!!

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