Mulher-Maravilha: de onde vem a sua força?

 

É interessante o rosto da atriz escolhida para interpretar a Mulher-Maravilha. Ele mostra tanto força quanto compaixão.

 

Resolvi assistir à “Mulher-Maravilha” na semana passada, num dia em que estava tão cansada de tudo que só queria mesmo entretenimento.

Vou confessar: eu não dava nada pelo filme. Os trailers não tinham me convencido a ver, nem os comentários dos amigos. Sou fã de super-heróis, mas os da Marvel e, mesmo assim, aqueles que têm o dedinho do Stan Lee, porque, vamos combinar, são sensacionais. Têm a personalidade muito rica, e dá pra gente passar o resto da vida falando deles e das suas aventuras, ao mesmo tempo engraçadas e impactantes.

Mas não é que, no fim das contas, gostei da “Mulher-Maravilha”?

Ainda não acho que seja um filme bem-produzido: os atores não convencem (a atriz que faz a protagonista carece de força dramática, por exemplo) e os efeitos especiais deixam a desejar.

Porém, o filme traz cenas instigantes e um simbolismo importante, se formos considerar os tempos que estamos vivendo, de desânimo e desistência. Nesse ponto, a “Mulher-Maravilha” nos traz um grande presente. Vamos ver qual é a desse filme?

 

Injeção de fé em si mesmo

 

Num momento em que o mundo está sendo chacoalhado por crises diversas, vemos muitas pessoas tombarem diante da frustração e da desesperança. Para muita gente desapareceu a luz no fim do túnel.

No que se refere ao Brasil, podemos citar que há uma grave inversão de valores morais em toda a sociedade, falta de ética e de empatia, intolerância, radicalismo. Junto a isso, o momento político-econômico não consegue melhorar nosso ânimo, muito pelo contrário.

Por causa desse quadro, vários de nós estão jogando a toalha, desistindo de coisas importantes na vida: da ética, do cuidado consigo mesmo e com o outro, da família, do amor. Não é de se espantar que tantos estejam deprimidos e ansiosos.

Quanto a nós, pessoas com deficiência, estamos assistindo a um desmoronar de direitos conquistados com luta árdua. Diante desse quadro, ativistas de peso, que trabalharam há décadas, se encontram confusos e desanimados.

Nesse ponto, penso que a Mulher-Maravilha pode ser uma grande injeção, não propriamente de ânimo, mas de fé em nós mesmos. Pode ser um “pit-stop” importante para repensar a “guerra” que ora enfrentamos e descobrir uma solução para não desistir. Para mim, foi como remédio.

Mas por qual razão a fé em nós mesmos seria tão importante?

 

Trocando o tédio pela luta

 

Diana Prince, a futura Mulher-Maravilha, habitava uma ilha paradisíaca – bem, não tão paradisíaca assim, na minha opinião, porque não havia homens por lá, só mulheres. Mas vamos combinar que era o céu na Terra, porque não existiam conflitos nem guerra naquela sociedade.

Lá viviam as amazonas, guerreiras sem guerra, que passavam os dias treinando para um futuro possível combate. Elas não conheciam o mundo dos humanos, e não sabiam do que se passava do outro lado do véu daquele universo paralelo.

A jovem Diana passava os dias treinando para ser uma guerreira invencível. Quando o piloto Steve Trevor se acidenta e cai em uma praia da ilha, ela o salva da morte. Então, descobre que uma guerra sem precedentes está em curso na Europa e decide deixar seu lar, contra a vontade da mãe, que a quer protegida. Mas nossa heroína entende que sua vida como amazona não faria sentido se não fosse para exercer sua missão: o combate em favor dos humanos, contra o deus da guerra, Ares.

Então, ela deixa seu lar para enfrentar Ares, acreditando que, assim, vai pôr fim aos conflitos. Em sua visão ainda ingênua, os seres humanos são bons, e é Ares quem os corrompe. A mãe insiste que os humanos não a merecem, mas ela vai embora mesmo assim, para viver sua missão.

 

Uma voz interna move Diana a viver sua missão de vida

 

Confronto com a dura realidade

 

Cena após cena, Diana depara com tristeza, decepção e frustração, mas também com grandes oportunidades de aprendizado. Até que finalmente surge a oportunidade de enfrentar Ares, que definitivamente não é quem ela pensava. Na minha opinião, este é o ponto alto do filme, apesar de eu ter apreciado muito, também, o evoluir do relacionamento entre ela e Trevor, pois lhe deu a chance de ver que os humanos são mais complexos do que ela imaginava. E lhe ofereceu elementos para as escolhas cruciais que viria a fazer.

 

O relacionamento entre Diana e Trevor levanta poeira na visão de mundo de ambos

 

A luta com Ares é simultânea a reflexões que Diana faz sobre a origem dos conflitos e das guerras, assim como sobre sua missão. Aos poucos, descobre a força descomunal que detém e que cresce à medida que compreende a si mesma e à vida. Em todo o tempo, a compaixão e o desejo de auxiliar se unem à força para lutar, mostrando que esta Mulher-Maravilha é um equilíbrio entre as forças femininas e masculinas da alma, presentes em qualquer um de nós. Ânima e ânimus, de acordo com Jung.

 

Desventuras em série

 

No confronto com a realidade, Diana, a princípio, parece se deixar levar pelas vozes externas – a da mãe e a de Ares -, segundo as quais os seres humanos não a merecem. Faço uma pausa aqui para perguntar a nós mesmos:

Quantos de nós têm, lá no fundo, essa crença?

Quantas pessoas desistem de tudo, achando que são melhores que os outros e que o mundo está mesmo perdido? Quantos concluem que estão lutando em vão?

Se esses sentimentos são comuns entre nós, não se pode dizer que sejam produtivos.

Não é, de jeito nenhum, uma boa estratégia manter o sentimento de que os outros não nos merecem ou de que somos mais perspicazes, mais inteligentes, mais empáticos que os demais. Não é uma boa estratégia achar que nosso jeito de pensar e de fazer seja o único possível, nem mesmo o melhor.

Isso só pode levar a um destino: solidão.

 

O ponto alto do filme

 

Este trecho e o próximo contêm spoiler. Caso você não tenha visto o filme, talvez queira pular as duas partes.

 

Na destruidora luta com Ares, aos poucos Diana percebe que auxiliar os humanos não é questão de eles merecerem sua proteção ou não. Ela vai rememorando os acontecimentos, fazendo interpretações, até que finalmente enxerga a verdade dos fatos. E sua conclusão está nesta bela cena, que no meu modo de ver dá à luz a Mulher-Maravilha:

 

https://youtu.be/EZhG3fqdWl0

 

Legenda:

Ares: Eles não merecem a sua proteção.

Diana: Não se trata de merecimento. Se trata daquilo em que acreditamos. E eu acredito no amor.

 

Para mim, essa fala foi de arrepiar os cabelos… rs

 

Guiando-nos por aquilo em que acreditamos

 

Assim que compreende que o valor de sua vida está em se guiar por aquilo em que acredita, Diana vê sua força aumentar exponencialmente. Isso, porque o poder vem de dentro, das suas crenças pessoais, e não do que ouviu de outros. As falas externas podem até ser incorporadas, desde que façam sentido, o que não é o caso aqui.

Diana-Mulher-Maravilha pode, então, a partir desse ponto, exercer sua missão, porque encontrou a força e o poder para isso.

Quando nos guiamos por opiniões importadas de outras pessoas, a tendência é que fiquemos confusos e percamos a força. Talvez, desistir de tudo, ou se desesperançar, sejam atitudes que mostram que nosso modo de nos guiar no mundo não está saudável.

Algo que nos enfraquece é justamente a crítica à conduta do outro, o que fica claro no filme, pois Diana não consegue sucesso até abrir mão do julgamento.

A maturidade acontece quando descortinamos o que é de fato importante para nós, e neste ponto não nos interessa mais o que outros pensam. Interessa aquilo em que acreditamos, que foi construído a duras penas.

Por isso, a conclusão de Diana Prince, que ela comunica a Ares na cena acima, traz, a meu ver, uma forma de compreender o desânimo que nos assola. E, então, vemos que desistir ou lutar passa a ser uma questão de fé. De fé em nós mesmos. De fé naquilo em que acreditamos.

 

Trocando desânimo por energia para lutar

 

Dessa forma concluo que, se queremos abrir mão do desânimo, da frustração, da decepção, das crenças de que:

 

Não vai dar certo

Vai dar muito trabalho

Nunca vai dar em nada

Não adianta lutar

O outro não entende nada e não colabora

 

Se realmente queremos isso, vale fazer a faxina interna que a Mulher-Maravilha realizou e que lhe custou tanto sofrimento, mas redundou em maturidade existencial.

Ela se resume nisto: nos despir das crenças alheias e descobrir quais são as nossas. Sem dúvida, é algo difícil e trabalhoso, mas também possível e compensador.

Como vemos no filme, essa transformação desperta a força interna para lutar.

 

Em Diana, a compaixão convive com a fúria, mostrando a capacidade de luta diante da fragilidade humana e da injustiça

 

Doar-se para não morrer

 

Diana Prince descobriu que sua verdade é o amor, então o amor é que a move.

E eu te pergunto, e me pergunto: o que nos move? Por que lutamos? A resposta caberá a cada um, mas relembro que é preciso descobrir a verdade interna para que o ânimo nos movimente.

Para fechar este texto tão longo, trago um trecho do livro “O profeta”, de Gibran Khalil Gibran:

“Dizeis muitas vezes: ‘Eu daria, mas somente a quem merece’. As árvores de vossos pomares não falam assim, nem os rebanhos de vossos pastos. Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.”

Pois bem, que Diana Prince nos ajude a recuperar – ou ampliar – a fé em nós mesmos e na verdade da nossa alma.

O mundo precisa de gente de fé.

 

Desistir ou continuar: algo que só se pode resolver com o foco em si, e não no outro.

 

Para saber mais:

 

Deixo para vocês dois bons textos a respeito do filme, com os quais aprenderemos muito:

Crítica do Observatório do Cinema

Crítica do site Adoro Cinema

 

 

Algumas das melhores cenas do filme

 

 

 

Gibran Khalil Gibran – Da Dádiva

 

 

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

Comments are closed.