Empatia e autonomia na Série “Uma Odisseia Coreana”

A série “Uma odisseia coreana”, disponível na Netflix, me permitiu um questionamento que resolvi compartilhar com você.

E se houvesse um mecanismo capaz de causar dor física e emocional todas as vezes em que não estivéssemos sensíveis ao sofrimento de uma pessoa?

É este “detalhe” que quero enfatizar na indicação de hoje. Continua comigo para saber mais?

 

As aventuras do casal de protagonistas de “Uma odisseia coreana” dão margem para inúmeras reflexões

 

Conheça a sinopse

 

A série de 20 episódios é um dorama ou k-drama, gênero coreano que tem feito muito sucesso no Brasil, mas, certamente, não é todo mundo que gosta. No caso, a história é uma adaptação romântica do livro “Jornada ao Oeste”, com personagens ligados à mitologia asiática.

No início, ficamos conhecendo a assustada garotinha Jin Sun Mi, vítima de bullying porque vê espíritos. Tanto a família quanto os colegas de escola acreditam que ela seja amaldiçoada e a evitam.

Um dia, ela encontra a divindade Son Oh-Gong, conhecido como O Grande Sábio de Essência Celestial, que foi preso em uma casa nas montanhas. Ele a convence a libertá-lo, e ela aproveita a situação para propor um acordo. Em troca da libertação, ele deveria ser seu protetor, aparecendo sempre que ela chamasse pelo seu nome.

Son Oh-Gong encontra a garotinha Jin Sun Mi

 

Porém, após sair da prisão, ele não cumpre o acordo. Em vez disso, retira sua memória, de forma que ela não mais se lembrasse de seu nome para chamá-lo.

Anos se passaram, e eles se reencontram. Jin Sun Mi agora é adulta, dona de uma grande imobiliária, mas continua a lutar contra os espíritos. Ela ainda se lembrava da traição e guardava ressentimentos.

Son Oh-Gong vem a saber que a moça é, na verdade, a reencarnação de Samjang, uma entidade poderosa, que tem a missão de salvar o mundo. Assim, chega à conclusão de que pode se tornar uma divindade invencível se conseguir devorar seu sangue.

A fim de impedi-lo e ao mesmo tempo forçá-lo a cumprir o acordo inicial de protegê-la, Samjang recebe uma orientação do Rei Demônio. Ela deve dar a Oh-Gong um bracelete cujo nome é geumganggo [pronuncia-se algo como “gungango”]. O objeto é mágico e fará com que ele nunca mais lhe faça mal. Ao contrário, agora ele a ajudará a cumprir sua missão.

As tarefas vão ficando cada vez mais complexas, e, ao final, ele deverá ajudá-la a evitar um grande desastre, que poderá pôr fim ao mundo.

Esta é a narrativa “oficial”, mas, para mim, as coisas podem ser compreendidas de forma um pouco diferente.

 

Minha visão dos fatos

 

Ao usar o bracelete, Oh-Gong fica sabendo que, enquanto portar o objeto, não mais poderá agir contrariamente aos desejos ou necessidades de Samjang. Cada vez que tentar fazer isso, sentirá uma dor insuportável no coração, como se o órgão estivesse sendo esmagado.

Na série, a palavra usada é “obedecer”. Ou seja, ele seria obrigado a obedecer a todos os pedidos de Samjang se quisesse evitar a dor.

Ele, então, conclui que está apaixonado pela moça, por obra do bracelete. Mas eu penso que o geumganggo o obriga, de fato, a ter empatia com os sentimentos dela, e por isso ele se apaixona.

 

Como esse bracelete me fez pensar!

 

O papel da dor

 

A princípio, a dor simplesmente o obrigará a atender aos pedidos. Porém, aos poucos, observamos que seus sentimentos vão mudando, e não só com relação a Samjang.

Então, penso que o bracelete, ou a dor, agiu como instrumento para ensiná-lo o ensinou a ser empático, da pior forma possível. Porém, concluímos, a partir da narrativa, que talvez ele não aprendesse de outro modo. Afinal, era uma divindade cruel, sem o menor respeito pelos sentimentos alheios. Parecia, mesmo, incapaz de ser sensível a eles.

Ao assistir, observe se sua percepção é a mesma.

Não vou me estender na análise porque quero evitar spoilers. Na verdade, não quero impedir que você tenha as surpresas que eu tive.

Por ora, é suficiente dizer que haverá muitas peripécias, de forma a desenvolver laços entre os personagens. Eles acabam por ajudar uns aos outros a lutar contra seres malignos, mas não só. Também se ajudam quando todos são confrontados com seus dilemas existenciais.

 

O que é empatia?

 

No meu modo de ver, podemos compreender o bracelete como uma metáfora para falar do processo de empatia.

A empatia nada mais é que nossa habilidade de nos conectar com outra pessoa ao ponto de perceber seus sentimentos. Além disso, ela faz com que sintamos o desejo de ajudá-la.

É assim que, de fato, sentimos dor quando ela também sente, ou raiva, ou alegria. No fim das contas, podemos até mesmo vir a ter sintomas físicos, no caso de nos envolvermos demasiadamente com as questões do outro.

Não é empatia quando digo, por exemplo, “Não fique triste, pois isso não foi nada”, pois essa afirmação indica que ainda não estamos sentindo com o outro. Ao contrário, quando a dor do outro dói em mim, talvez eu diga algo como “Estou aqui pra você. Conte comigo.”

Te deixo uma pergunta: será que as pessoas se ajudariam umas às outras se não sentissem essa “dor”? Será que ela não seria um mecanismo criado pela natureza para nos sensibilizar?

 

À medida que aumenta a empatia de Oh-Gong por Sun Mi, aumenta a nossa por ele

 

O destino pode ser mudado?

 

A série “Uma odisseia coreana” tem muitos outros elementos interessantes, capazes de nos levar a refletir não somente sobre empatia.

Há situações que tratam de outro assunto instigante, que é a autonomia para seguir um suposto destino ou questioná-lo a fim de escrever a própria história.

Ou seja, os fatos colocarão os personagens diante de circunstâncias que geram indignação com o destino supostamente traçado pelo plano espiritual. Aqui, também considero que as situações podem ser compreendidas como metáforas. Não me parece forçado vinculá-las ao que acontece conosco quando pensamos que nossas condições determinam nosso destino.

 

Empatia para o bem e para o mal

 

Para nos aprofundarmos na discussão sobre empatia, deixo abaixo alguns links. No entanto, já iniciarei aqui uma breve reflexão.

A falta de empatia explica, em parte, a razão de presenciarmos tanta intolerância no mundo, além de tanto sofrimento. Já pensou, por exemplo, se fôssemos empáticos com as pessoas que estão em situação de risco para a Covid? Será que as aglomerações continuariam?

Mas a empatia tem também seu lado obscuro. Ela pode causar estresse, e, de fato, estudiosos já estão falando da “fadiga da empatia”.

Além disso, é apenas um instrumento, e como tal pode ser boa ou ruim. Pense, por exemplo, que, de modo geral, não conseguimos ser empáticos com quem pensa diferente de nós.

Certamente, os seguidores de Hitler eram empáticos com os sentimentos dele e sua forma de ver o mundo. Então, empatia pode ser um início de solução para muitos desafios, mas não pode andar sozinha… Precisamos ir além.

Assim, minha sugestão é investigar (e praticar) o que o Budismo chama de compaixão. Na verdade, não tem nada a ver com o sentido corrente que damos ao termo, que usamos como sinônimo de pena.

Compaixão, no sentido budista, é uma forma de auxiliar a nós mesmos e aos outros sem qualquer tipo de discriminação. Não importa se simpatizamos ou não com as ideias do outro. Abaixo, também há link para aprofundamento, combinado?

 

Por que nos interessa?

 

Por que indicar esta série num blog dirigido ao segmento das pessoas com deficiência?

De fato, creio que discussões sobre empatia, compaixão e autonomia são importantes na nossa luta por inclusão. Evidentemente, outras discussões são necessárias, afinal a inclusão depende de inúmeros fatores. Porém, as que proponho hoje me parecem inadiáveis.

Para finalizar, minha opinião é que vale a pena assistir a “Uma odisseia coreana”, desde que você tenha simpatia pelo gênero dorama e paciência para os 20 episódios. Ah, claro, é preciso gostar de mitologia, porque, do contrário, vai achar tudo fantasioso demais.

Por outro lado, você corre o risco de ficar viciado e querer maratonar… rs

Se for o caso, escolha iniciar a série em um fim de semana, para não te prejudicar!

No mais, prepare a pipoca e até a próxima resenha!

 

Para saber mais:

 

Post do Cadeira Voadora sobre empatia (com links p/ aprender sobre a compaixão)

Neurociência mostra como empatia muda relações

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

4 Comments

  1. Sobre a serie ODISSEIA COREANA AMEI DE MONTAO. REALMENTE MOSTRA VERDADEIROS SENTIMENTOS. TAMBEM PERCEBO QUE HOUVE PARTES QUE NAO DEVERiaM ENTRAR MAS O CERTO EH CHAMAR A ATENÇAO DO PUBLIco..
    ENFIM GOSTEI MUITO E SEMPRE TIRAMOS LIÇOES PARA NOSSA VIDA.
    FINAL : COMO SOU ROMANTICA E VEJO QUE A MAIORIA DOS DORAMISTAS SAO , QUERIAMOS .IMAGENS DOS DOIS SE ENCONTRANDO JUNTOS .
    MAS VALEU.
    OBRIGADA.

  2. Primeiro comentário maravilhosos que li sobre essa incrível série. Parabéns, realmente essa série é tão profunda que não me canso de rever vários episódios para compreender as mensagens . Realmente ,o maior objetivo é transforma-lo, Era egoista e mesquinho, ela sofre pq não sabe que sua missão é salvar. Ele muda o próprio destino, não a matando-a, força do amor. Tudo tão lindo… agora vamos conversar, vc não acha que o bb que a cegonha trouxe é o filhos dele no futuro? Eu amei,maratonei estou revendo ainda kkkkkk e a trilha sonora, afe amei.
    Novamente parabéns ,ganhaste uma fã. Bjs

    • Ei, Jacqueline! Agradeço sua visita!

      Fico muito feliz por saber que apreciou a série e também meu post! O gênero dorama ainda é tratado pelos brasileiros como algo menor, infelizmente. Mas isso tende a mudar!

      Sobre o bebê, pra ser honesta, nem me lembro mais… hahaha Eu assisto a tantas séries e filmes, que fica difícil memorizar.

      Um grande beijo!!

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