É na troca de experiências que se inicia o respeito

 

A proposta, hoje, é falar de ouvir o outro em silêncio, para que a troca de experiencias seja rica. E assim estreamos a coluna Café com Fatine, um espaço para um bate-papo descontraído sobre o universo da pessoa com deficiência. Quem escreve é a colaboradora Fatine Oliveira, que não quer convencer ninguém de nada, nem tem a intenção de dizer “verdades”. Vem papear conosco, enquanto toma um café?

 

Café com Fatine traz textos para pensar com leveza, tomando um cafezinho…

 

Quando era adolescente, costumava usar um livrinho com reflexões sobre a vida, muito comum na época, por sinal.

Eram pílulas que não poderiam ser lidas de maneira linear; eram para ser consultadas em momentos de dúvida. Se algo incomodava seu coração, bastava fechar os olhos e abrir o livro em qualquer página. A mensagem era separada pelo “universo” e trazia a resposta que precisávamos.

Bom, na maioria das vezes. Havia momentos em que, não satisfeita, fechava os olhos e tentava outra mensagem que soasse mais agradável para o meu desejo.

Os tempos mudaram, e hoje não usamos mais esses livrinhos (pelo menos não na frequência de antes), mas recorremos a outras páginas. Às virtuais recheadas de mensagens de autoajuda que costumam aparecer em nossas timelines. Nossa rede de contatos se expandiu, e o universo agora encontra-se no outro.

 

Mais informação, menos conhecimento

 

São inúmeras frases, vídeos e imagens com pensamentos reflexivos que constantemente são compartilhados, curtidos e comentados todos os dias. Tamanha sabedoria poderia nos tornar muito mais tolerantes e pacientes, contudo o resultado é o contrário. Quanto mais informação, menos conseguimos absorver.

Na época do meu livrinho de pensamentos, sempre parava e refletia sobre a mensagem lida. Havia uma espécie de ritual naquele momento, algo de especial nas palavras que facilitava seu entendimento. Esse fator diferenciador podemos chamar de tempo.

Não é possível construir um saber sem o tempo.

É tal como uma plantação. Preparamos o solo, colocamos a semente e diariamente cuidamos para que ela receba todos os elementos essenciais ao desenvolvimento da planta.

Do mesmo modo, quando aprendemos algo ou oferecemos o aprendizado ao outro.

 

Foto de um relógio sobre fundo que simula um papel artesanal, em tom envelhecido pelo tempo. Frase: "Não é possível construir um saber sem o tempo"

 

O tempo do outro

 

Venho observando há um tempo como é importante compreender as consequências das experiências de vida do outro. Ninguém é uma página em branco, todos temos personalidades, histórias que conduzem nossa forma de agir e pensar.

Muitas vezes, podemos ser o universo de alguém trazendo respostas para seus questionamentos; contudo, também as recebemos. Existe uma troca muito rica nas experiências.

Por exemplo, quando me proponho a responder dúvidas sobre pessoas com deficiência, não sou apenas autora daquele conhecimento, mas posso também compreender as razões que levaram (e levam) tantos a se equivocarem sobre nós.

A vida com deficiência, durante muitos anos, se construiu em cima de diagnósticos médicos e objetos para locomoção, criando na mente da maioria das pessoas uma espécie de crença.

Para muitos, ter deficiência é ser exemplo ou ser incapaz. Por esse motivo, é comum ouvirmos os maiores absurdos ditos de maneira inocente, como se carregassem alguma verdade.

 

É possível fazer o outro mudar de ideia?

 

O psicanalista Contardo Calligaris, em sua coluna na Folha de S.Paulo, disse:

Abandonar uma crença, por mais que ela se revele errada, é dificílimo. Talvez os argumentos apresentados sejam sempre insuficientes. Mas o mais provável é que a gente seja fundamentalmente impermeável a argumentos racionais, sobretudo na hora de criticar nossas próprias crenças.

Às vezes, iremos oferecer respostas que o outro não está preparado para ouvir, ou talvez tenhamos as mesmas dúvidas que ele apresentou.

Porém, e se tentarmos entender o argumento do outro ao invés de “mudar a página” da mensagem ou confrontá-lo? Parar para ouvir em silêncio* é o princípio do entendimento.

 

Nas redes sociais

 

Quando estiver nas redes sociais, não responda de imediato. Pense alguns minutos, avalie o que foi dito e veja se realmente há necessidade de dizer alguma coisa.

Muitas vezes, o que o outro diz já nos dá uma boa dimensão de quem ele é.

Entretanto, se resolver responder, seja educado, especialmente se a pessoa tiver dúvidas sobre deficiência. É na troca de experiências que se inicia o respeito.

 

*Silêncio, aqui, seria estar calado ou sem escrever nada, e não necessariamente estar em algum local silencioso.

 

Para saber mais

 

Outros textos de Fatine no Cadeira Voadora

Site de Fatine Oliveira | Disbuga

Instagram de Fatine

 

 

About Fatine Oliveira

Fatine Oliveira é publicitária e autora do blog/canal Disbuga, onde apresenta de forma reflexiva (e algumas vezes sarcástica) diversos temas sobre a vida da pessoa com deficiência. É também mestre em Comunicação Social (UFMG) com um estudo sobre fotografias de mulheres com deficiência no Instagram. Tem 30 e alguns anos (mas não precisa espalhar!), adora café, seriados, quadrinhos e uma boa conversa no boteco. 😀 Contato: disbuga@gmail.com

4 Comments

  1. FERNANDA VICARI DOS SANTOS

    que bom que estarás quinzenalmente nos preenchendo o coração com essa tua leveza e sensatez em perceber a vida! beijos pivetinha de meu core!!!

  2. Sim, sem ouvir o outro não há como construir conhecimento e, muito menos, fazer com que o outro receba uma nova oportunidade de olhar por um outro ângulo a questão da PcD.
    Você tem razão, não dá para simplesmente mudar a página e encontrar uma mensagem mais agradável. Isso é fingir que o resto não existe e se trancar numa bolha.

    • Exatamente, Mariane. Devemos evitar as bolhas porque elas não nos permitem o crescimento. Se queremos um mundo diverso é preciso estar preparada para a diferença de pensamentos também. Fico feliz em ter provocado em você esta reflexão sadia. Obrigada pelo comentário. 🙂

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