Na contramão de tudo que se diz a respeito dos pais, principalmente no Dia dos Pais, ouso dizer que não, o meu não foi um herói.
Cena 1
Ele não me levou à escola.
Não me acompanhou nas internações.
Nunca foi comigo ao médico.
Achava que era inútil eu estudar, porque deficiente não iria conseguir emprego.
Não me punha no colo, não me dava a mão, não fazia carinho.
Cena 2
Sofreu um infarto aos cinquenta e poucos. Fumava muito.
Na ocasião, no hospital, fiz uma prece e pedi a Deus que me desse mais tempo com ele, porque até então eu não tinha tido pai.
Deitado na maca, me pediu: “Põe a mão no meu coração, Laura, e energiza”. Eu nunca tinha energizado um coração antes, mas atendi ao pedido – chorando, com medo de que ele se fosse.
Sobreviveu.
Cena 3
Nosso relacionamento melhorou muito nos anos posteriores, porque nós dois nos esforçamos para isso.
Construímos uma relação de amizade e amor, dentro das nossas limitações e possibilidades. Por exemplo, cheguei a acompanhá-lo ao médico, para auxiliá-lo a compreender as orientações, e ele ia à minha casa quando minha impressora parava de funcionar. Era a conta de chegar, e ela voltava a trabalhar.
Pano de fundo
Não, meu pai não foi um herói. Definitivamente.
Porém, convivendo com ele aprendi muito:
– Aprendi a ser responsável e não fazer dívidas. Éramos pobres, mas ele juntava dinheiro com rigor para comprar as coisas à vista. Quando não era possível e tinha de comprar à prestação, jamais ficou devendo quem quer que seja.
– Aprendi com ele a ser um pouco louca. Ele tinha coragem de ser ele mesmo e de fazer pequenas e grandes loucuras, até era um pouco visionário, e isso eu considero uma qualidade muito grande.
– Como ele, sou bastante sociável, embora ele fosse mais carismático. Em 5 minutos de conversa, qualquer estranho se transformava em seu amigo de infância.
– Aprendi com ele a espiritualizar-me. Ele, que foi seminarista, católico, esotérico, apaixonado por discos-voadores, rosa-cruz e espírita, não tinha fronteiras. O que importava mesmo era sua capacidade de encontrar-se com o Deus interno.
– Aprendi a sair do nada e a construir tesouros.
– Aprendi com ele a lutar pelos meus direitos e a confiar na minha razão. Ele nunca cedeu quando considerava que tinha sido cometida uma injustiça. Lutou até o fim.
Cena final
Lutou até o fim.
Faleceu após um acidente de automóvel há pouco mais de 10 anos.
Quando estava na UTI, inconsciente, cheguei a me sentar ao lado da sua cama para fazer reiki, sabendo que ele poderia usar essa energia para ir embora a qualquer momento. Desta vez voltei a ter medo, mas meu coração estava em paz. Eu tinha tido um pai.
Felizmente, tivemos bons momentos, para que não nos arrependêssemos de ter deixado o tempo passar em branco. De ter deixado o tempo passar em vão.
Com ele, não tive o que esperava de um pai, em minha fantasia de filha que desejava um herói, ou um pai-encantado que fizesse tudo por mim.
Com ele, tive algo precioso, no meu modo de ver as coisas hoje: o exemplo do humano, cotidiano, simples, comum, real. O pai limitado para uma filha que não se sabia limitada. O pai travesso para a filha contida. O pai bem-humorado para a filha emburrada. O pai do lado avesso para a filha do lado direito. O pai complementar.
Tive o impulso de que precisava para aceitar as pessoas do jeito que dão conta de ser.
Agradecimentos
Pai, você não está mais por aqui, no mundo dos de carne e osso, mas sei que está comigo, porque te sinto sempre.
Quero aproveitar a oportunidade do Dia dos Pais para te agradecer (embora eu faça isso sempre, né?).
Grata por ter sido para mim não aquilo que eu desejava, mas o que – hoje sei – eu precisava para amadurecer. Para que minha alma se expandisse.
Se um dia duvidei do seu amor, não duvido mais. Sei que me amava, a seu modo. Com suas limitações, assim como tenho as minhas.
Onde quer que seja seu endereço agora, receba novamente o buquê de flores que sempre te envio no seu aniversário: aquelas que eu e você desde sempre amamos. Lá do nosso sítio.
Que elas possam embelezar seu lar espiritual.
Com amor,
Laura
Excelente artigo! Já visitei o seu blog outras vezes, porém nunca
tinha escrito um comentário. Pus seu blog
nos meus favoritos para que eu não perca nenhuma atualização.
Grande abraço!
Grata pela visita. Um abraço!
Laura, amei seu texto e seu blog.
Você é sensível e alegre o que deixa seus artigos, além de úteis, deliciosos de ler.
Parabéns!
Te desejo muita saúde e muitas viagens!
Lais, fico muito feliz por receber seu feed-back, porque o blog é feito com muito carinho e zelo!
Muito grata!
Um grande beijo
Muito lindo minha querida. E cada dia mais te admiro e agradeço a Deus por te colocado em minha vida. Sei que ainda vou aprender muito com você.
Grande abraço, um enorme carinho e respeito.
Bjs 😘
Kenia, só posso lhe agradecer pelo carinho que dedica a mim. Sei que vamos aprender muito uma com a outra! Beijo imenso!
Emocionada!
As lágrimas molham-me as faces!
Belo relato.
Realmente, seu pai não foi o modelo que lhe bailava na mente, mas o modelo de que você precisava para evoluir, crescer e se espiralar por aí plantando o bem e colhendo sorrisos.
Amei!
Beijos da Genaura Tormin!
Genaura linda, muito grata pelo comentário! Fico feliz por vc ter gostado do texto.
Um grande beijo!
Querida Laura,
Me emocionei demais ao ler essa declaração de amor ao seu pai. Linda, profunda, verdadeira, as vezes triste… mas de um sentimento de gratidão até pelas dificuldades que tiveram na relação.
Beijos pra você cheinhos de saudades.😘😘😘
Ana Laura querida, grata pelo comentário! Essas palavras de carinho são muito importantes para mim. Saudades também!
Talvez naquela época você não tenha compreendido que as diferenças e indiferenças faziam com que vocês se completassem. Belo texto Laurinha.
Sim, Marcio, eu não tinha maturidade para compreender.
Grata pelo comentário! Abs!
Que lindo, Laura! Depoimento emocionante, verdadeiro e corajoso, que certamente vai ajudar outras pessoas em suas experiências específicas. Amei!!
Que bom que gostou, Ana Rita! Parte da minha coragem vem justamente da crença de que meu depoimento pode ajudar outras pessoas.
Grata pelo comentário. Beijo!
Lindíssima homenagem. Eu que tive o prazer de conviver com ele o via da forma exata que você escreveu. Um pequeno homem grande. Parabéns ao pai e a filha.
Grata pelo carinho, Regina! Sim, um pequeno homem grande! <3
Lindo, corajoso e terno! Como você, Laurinha!
Nada como amadurecer, não é mesmo, Selma? Aí a gente descobre que não tem nada a perder cultivando a leveza e a ternura, muito pelo contrário. Grata pelo comentário. Um gde beijo!
Lindo texto, Laura. Pais, quando se vão, sempre nos deixam um vazio na alma e saudade no peito…
Grata pelo comentário, Rui! Abs!
Laura que bonito ver como você tem uma sincera coragem de dizer o que sente… Sua cadeira só podia mesmo ser voadora! Seu papai naquela janela sorri é pra você😉🤣
Alcione, seus comentários são sempre significativos. Obrigada.
Sim, acho que ele está sorrindo pra mim! =)
Emocionante.Vc percebeu que seu pai te amou do jeito que ele deu conta, que conseguia.
Depois de ser mãe compreendi que nós pais nunca vamos ser o que filho espera.
Falo por mim, não sou sempre forte.Não acerto sempre, erro muito. A gente não sabe o que é certo.Agimos do jeito que a gente dá conta.Tentando fazer do melhor modo, erramos demais.No fundo continuamos ser aquela criança cheia de coisas que temos que aprender.Os filhos nos ensinam muito, atravės de nossos erros e culpas.Quantas cisas foram difíceis de fazer ou abrir mão e hoje sou censurada por minhas filhas do modo que agi.Seria mais feliz se tivesse agido de outro modo, atė para filhas e resignava por causa delas.
Hoje com filhas adultas, sem ter como voltar atrás é tentar acertar agora.Coisa que só saberei depois, olhando a vida ” pelo retrovisor.
Filhos desculpem os pais, filhos não vem com bula.E nós vamos errando querendo acertar baseado no amor.Poupando tudo na vida para não traver dor/tristeza para os filhos, sem saber se era isso que seria melhor para eles ou se queriam isso.
Que depoimento enriquecedor, Lucia! Agradeço por compartilhar conosco suas experiências!
Nós, filhos, somos muito arrogantes. E só descobrimos isso mais tarde, quando às vezes nossos genitores já se foram… Uma pena.
Que depoimento, poema, crônica, sei lá o que é. Mas prima linda eu me prendi a leitura e amei muito! Lindo tuso que escreveu aqui, mesmo nas incertezas e angústias. Ameiiiiiiii
Prima, fiquei feliz com seu comentário! Grata pelo carinho que vc sempre dedica a mim!
Bjo
Ahhh que lindo!!! Que bom ter bons exemplos de reconciliação, eles trazem tanta reflexão e ressignificados!!! Texto emocionante, rico e verdadeiro. Gratidão.
Manu, as coisas publicadas na internet, principalmente nessas ocasiões festivas, parecem muito com propaganda de margarina, né?
Então, desejei compartilhar um pouco da minha vida, da vida real, feita de encontros e desencontros.
E vc disse bem: é um texto sobre reconciliação. Reconciliação comigo mesma!
Grande beijo, amiga!
Lindo demais, Laura!
Que bom que curtiu, Mari! Beijo!
Confesso que não consegui ler todo o relato pois me emocionou de forma extrema! Perdi meus pais há menos de um ano… só ficou a dor, o vazio e uma saudade imensa
Puxa, Patrícia, sinto muitíssimo pela sua perda. A saudade será imensa sempre.
Em um outro momento, espero que consiga ler todo o relato.
Que o tempo a auxilie a lidar com a dor e o vazio. Muito amor em sua vida!
Que Linnndo Laura!!! Se todos encarecem as diferenças dessa forma, o mundo seria um lugar muito melhor. Nesse caso, a diferença entre vocês não impediu que vc se esforçasse para compreendê-lo e nem ele em superar o medo. Mesmo com essas limitações, ele te amava e vcs conseguiram se reencontrar. <3
Pois é, Tina. Mesmo com todas as limitações, podemos nos amar, não é mesmo?
Grata pelo carinho!
Que coisa mais linda, querida Laura!!! Me emocionou 😢 Vc tem mesmo a fibra dele! Lindeza!!! 😘😘🙏🏻🙏🏻🙏🏻
Puxa vida, Andrei! Agora quem está emocionada sou eu!
Grata por vc ter me ajudado sempre a reconhecer todas essas coisas que coloquei no texto.
Que bom que tenho a fibra dele. Que mais eu poderia querer? <3