Ouro Preto: poesia quase inacessível

Ouro Preto é uma cidade histórica relevante, mas praticamente inviável para cadeirantes. Mas isso não significa que você não tenha como acessá-la. Vambora pra lá com o Pedro Muriel?

 

Este é o Pedro, em sua “cadeira atômica”, curtindo a Praça dos Inconfidentes com a amiga Luciana.

Todos me diziam para não ir

 

Por Pedro Muriel Bertolini

 

Aos pés de Ouro Preto, todo amor é certeiro.

A primavera, assim como a cidade de Ouro Preto, nos reserva alegrias inesperadas. Apesar de parecer uma comparação descabida, penso que nada melhor que lembrar das flores para falar de uma cidade que encanta, perfuma e nos faz flutuar. Chega de devaneios ou poesias no meio do texto, a hora chegou, vamos falar de Ouro Preto.

Depois de quase três décadas de vida, resolvi ir à cidade. O objetivo era assistir uma amiga cantar no espetáculo A Vingança da Cigana, ópera que teve sua estreia no Teatro da Ópera de Ouro Preto há quase 200 anos.

Reservei o hotel, convidei dois amigos, compramos empadas de camarão e partimos em direção à rainha do barroco mineiro.

Todos me diziam para não ir, que seria impossível sair do carro, que minha cadeira de rodas seria massacrada pelas ruas de pedra, e muitos outros avisos.

 

Difícil, mas não impossível

 

Chegando lá, no centro histórico da antiga Vila Rica, descobri que eles estavam certos: o lugar é muito difícil para pessoas com deficiência. Ruas de pedra, calçadas estreitas e ladeiras escorregadias podem desanimar até a alma mais disposta.

Dito isso, não penso que seja motivo para não tentar desbravar a cidade, não tentar mostrar ao mundo que nós, eficientes com alguma deficiência, também queremos ter contato com esculturas dos mestres barrocos e com os cafés centenários que se multiplicam debaixo do céu de brigadeiro e das luminárias que parecem feitas para um filme de Godard.

 

Pedro está acompanhado de Mayra Lopes, grande amiga e cantora erudita

Pedro está acompanhado de Mayra Lopes, grande amiga e cantora erudita

 

Só penso em comida

 

Rodei de carro por quase 3 horas, parando em cada viela, apreciando cada prédio histórico pintado de azul e branco. A cidade é linda e tem alguns espaços com adaptações para cadeirantes.

O fim de tarde caindo descompassado, e eu procurando algum lugar acessível para comer um petit gateau enquanto aguardava a hora da ópera começar.

Sim, eu só penso em comida.

Depois de algumas dificuldades para romper as pedras da Praça dos Inconfidentes, encontrei o SESI – Espaço Cultural de Ouro Preto, um lugar com elevador, banheiro acessível e um brownie de brigadeiro com sorvete que me fez sonhar.

Comemos, proseamos e compartilhamos a alegria genuína de ter no peito dos amigos um território para chamar de nosso.

 

Pedro está entre o Andinho e a Lulu, no café do Sesi.

Pedro está entre o Andinho e a Lulu, no café do Sesi.

Fim de tarde no entorno da Praça dos Inconfidentes (foto do acervo do Pedro)

Fim de tarde no entorno da Praça dos Inconfidentes (Todas as fotos pertencem ao acervo do Pedro)

 

O teatro e o hotel

 

A ópera foi ímpar, cheia de emoção. O teatro, infelizmente, não tem acessibilidade nenhuma; escada para todo lado e um banheiro difícil até para quem não tem deficiência.

Depois de um dia sensacional, fomos para o Hotel Solar de Maria passar a noite (fotos abaixo). Lá encontrei o banheiro mais espaçoso que já utilizei na vida.

O casarão do século XX recebeu adaptações e foi transformado em um hotel magistral. Não é barato, mas não existem opções baratas para pessoas com deficiência em Ouro Preto.

Ouro Preto é uma poesia pouco acessível para os cadeirantes, mas é como a primavera: uma alegria muito necessária!

 

 

Fotos do Hotel Solar de Maria

 

Todas as fotos do hotel foram gentilmente cedidas pelo Hotel Solar de Maria. Este foi o quarto ocupado pelo Pedro.

Todas as fotos do hotel foram gentilmente cedidas pelo Solar de Maria. Este foi o quarto ocupado pelo Pedro.

 

Este é o quarto ocupado pelo Pedro, com adequações para cadeirantes.

Ele tem adequações para cadeirantes.

 

O banheiro também tem algumas adequações para cadeirantes: é bastante amplo, a porta tem 80cm, não há fechamento na área do banho (apenas cortina).

O banheiro também tem algumas facilidades para cadeirantes: é bastante amplo, a porta tem 80cm, não há fechamento na área do banho (apenas cortina).

Mais uma foto do quarto ocupado pelo Pedro.

Mais uma foto do quarto

Mesa de café da manhã no hotel.

Mesa de café da manhã no hotel.

 

Para saber mais: passeio de maria-fumaça

 

Em 2011, um post no endereço antigo do Cadeira Voadora mostra o cadeirante Saulo e sua esposa Sandra visitando o Museu da Inconfidência, que já oferecia alguns itens de acessibilidade. Eles também fizeram o passeio de maria-fumaça de Ouro Preto a Mariana. Clique aqui para ler o texto e viajar com eles!

 

About Pedro Muriel

Pedro Muriel Bertolini foi colaborador do blog Cadeira Voadora durante anos. Seu primeiro post, sobre a Toscana, na Itália, foi publicado em agosto de 2013. Ele faleceu em 2022, aos 35 anos. Era formado em Relações Internacionais pela PUC Minas, escritor, palestrante e apaixonado por viagens e livros. E também por comida, como deu para perceber. ;-) Pedrão era uma pessoa sensível, generosa, tinha muitos amigos e era muito querido.