Hoje a música Caçador de Mim, que ficou muito conhecida na voz de Milton Nascimento, veio me visitar logo cedo e despertou a vontade de falar sobre o sentimento de não me encaixar em padrões. E de como isso se reflete no meu jeito de ser e, consequentemente, nos posts do blog Cadeira Voadora.
É domingo, dia que elegi para falar um pouco de mim e da minha vida… Vamos comigo?
Sempre fui “diferente”
Eu era ainda criança e já sofria bullying em casa (um pouco de drama, tá?), por ter gostos e comportamentos bem diferentes dos da família. Ao longo da vida, observei que sempre queria me aprofundar mais nos assuntos, nos sentimentos, nos questionamentos, e era raro que alguém topasse a “viagem”… Eu questionava tudo, por isso quando fui apresentada aos personagens Mafalda e Calvin, a afinidade foi instantânea. E também por isso eu era “a chata”.
Ao mesmo tempo, meu corpo também não se encaixava nos padrões. Além da visível deficiência física, especialmente numa época em que em que quase não havia pessoas com deficiência nas ruas, experimentei o desencaixe dezenas de vezes. Quando ia ao médico, por exemplo: “É… isso não se encaixa nos padrões”. Hoje, me dá vontade de rir quando lembro dessa frase, que ouvi também no dentista, no salão de beleza, na escola, no trabalho…
Ah, esse tal “pertencimento”
Somente por volta dos 30 anos vim a experimentar a sensação de “pertencimento”, quando conheci a instituição na qual trabalho ainda hoje como voluntária. A energia do ambiente de alguma forma me pareceu familiar – e o deslocamento dos padrões também. Por ali, todo mundo era muito diferente e estranho, e apesar disso o trabalho em equipe fluía, em clima de alegria e afeição. Aconteciam conflitos, com certeza, mas sempre prevaleceu a busca de um objetivo comum, e esse propósito nos unia e une.
Mesmo assim, o “eu, caçador de mim” permaneceu ativo, porque ainda não havia encontrado alguns encaixes de que necessitava.
O que a diversidade me ensinou
Mas a vida continuou fazendo seu trabalho e assim me possibilitou conhecer indivíduos de todos os tipos. Nos ambientes que frequentava, tive a oportunidade de conviver com pessoas muito ricas e muito pobres, brilhantes intelectualmente e limitadas de recursos, com PhD e sem escolaridade, solidárias e egoístas, de direita e de esquerda, e por aí vai.
Não tenho dúvida de que este foi um imenso presente que recebi, pois me ajudou a entender que não é possível etiquetar as pessoas: ninguém corresponde integralmente a uma etiqueta. Embora seja possível agrupar seres humanos em categorias a partir de elementos comuns, ouso dizer que a espécie humana recusa etiquetas. Cada um é cada um.
Nessa convivência, aprendo principalmente que há espaço para todas as tribos, por mais estranhas que pareçam entre si, e que é possível uma convivência harmônica, embora isso não seja simples.
Fora dos padrões? O blog também!
Agora você conhece o pano de fundo do Cadeira Voadora. O blog foi uma excelente forma de autoexpressão que encontrei e sempre foi muito terapêutico para mim, porque nele posso mostrar e compartilhar o meu jeito de perceber o mundo. E esse jeito é meu, único — e, portanto, fora dos padrões.
Talvez você não perceba isso à primeira vista. Precisará ler mais textos, perceber os posicionamentos até nas entrelinhas.
Mas em algum momento ficará claro que, embora eu abrace a causa da inclusão e de um mundo onde todos caibam, não uso etiquetas que o segmento colou em si próprio. O fato de ter uma personalidade contestadora, reforçada pela convivência com todos os tipos de pessoas, me leva a ver o mundo de uma perspectiva que não são muitos que experimentam.
O preconceito mora em todos nós
Também entre o segmento das pessoas com deficiência as pessoas são preconceituosas, afinal são pessoas. Elas podem não perceber, nem admitir, mas também têm dificuldades de aceitar o outro, as ideias do outro, o ponto de vista dele, ainda que seja uma outra pessoa com deficiência. Isso reforça o comportamento exigente, em vez de dar lugar a diálogo e negociações para se alcançar o que se precisa e o que se deseja.
Eu sei que não raro as pessoas com deficiência lutam pelo básico e pela sobrevivência. Nesses casos, enxergo que não há mesmo espaço para negociação. Porém, a intransigência do segmento, em certos casos, me leva a ter ressalvas com relação a inúmeros posicionamentos atuais.
Por essas razões, em quaisquer circunstâncias, me esforço para ouvir o outro, conversar, refletir. Depois, formo minha própria opinião, que – agora sim, sem sofrimento – não precisa estar dentro dos padrões.
E o blog tem exatamente essa cara. A cara dele… rs
Abrindo caminhos e construindo pontes
Agora finalmente entendo o fato de ter tido a percepção de que nasci fora dos padrões.
Eu precisava aprender que não preciso me encaixar, embora precise dar espaço para interagir e aprender com o outro.
Vou percebendo que em muitos pontos me aproximo de você, em outros é natural que a gente não concorde. Afinal, cada um tem uma história de vida, uma genética, um contexto…
Isso pode gerar conflitos? Claro! Mas conflito não precisa ser algo ruim; pode ser produtivo. Improdutivas são a agressividade e a violência.
Então, mesmo que você me acompanhe há muito tempo, seja novamente bem-vindo. Te convido a (continuar a) fazer a experiência de voarmos juntos rumo ao mesmo objetivo: uma vida com mais qualidade para todos nós. Construída com relacionamento respeitoso e afeição. Vem comigo?
Um bjo e até a próxima!
Laura
Para saber mais:
Se você também está em busca de si mesmo, leia Tornar-se pessoa, do Carl Rogers. #ficaadica
“Verifiquei que me enriquece abrir canais através dos quais os outros possam comunicar os seus sentimentos, a sua particular percepção do mundo. Carl Rogers
Agora, vamos ouvir Caçador de mim? Então, tapete vermelho para uma das mais lindas vozes do mundo…
Primeiro da os parabéns automia e independência. E dizer que, as pessoas não deixaram de pre, e ainda não aceitam o conceito.
Aracaju/Sergipe
Ei, Gorette, seja bem-vinda! Obrigada por deixar um comentário. Um bjo!