Bullying e solidão da criança com deficiência na escola

Hoje compartilho texto inédito de Carolina Franco, que trata de bullying e solidão da criança com deficiência na escola, diante da exclusão. Ao mesmo tempo em que relata situações, ela deixa espaço para que façamos importantes reflexões acerca do assunto.

Estou certa de que esta leitura vai nos enriquecer muito, pois nossa colaboradora retrata com delicadeza e sensibilidade circunstâncias que viveu, as quais, certamente, podem ter feito parte da vida de cada leitor(a)

Carol, publico seu texto com profundo respeito pela sua história e gratidão por compartilhá-la conosco. Receba todo o carinho da comunidade Cadeira Voadora!

Bjs, Laura

 

[Todas as fotos pertencem a Carolina Franco e foram publicadas com sua autorização]

 

Bullying e solidão da criança na escola: isso vai ter fim?

 

Notícia do G1 mostra foto do presidente dando a mão a uma garota com síndrome de down.No dia 13/2/2022, uma reportagem publicada nos principais jornais me chamou bastante atenção.

O título era: “Presidente da Macedônia do Norte leva à escola menina com síndrome de Down vítima de bullying: Estudante de apenas 11 anos deixou de frequentar as aulas com todos os colegas por preconceito dos alunos e de alguns dos pais que não aceitavam a integração.”

Ao me deparar com essa reportagem, que me deixou muito emocionada, acabei me recordando de um episódio muito triste e traumatizante que passei na infância.

 

Mudança de escola

 

Quando eu tinha de 8 para 9 anos, tivemos que passar dois meses em Belo Horizonte, enquanto meus pais organizavam nossa mudança. Estávamos nos transferindo para uma nova “cidade”, no meio da floresta amazônica, devido ao novo emprego do meu pai.

Como era início de ano letivo, para não perdermos muitas aulas, fomos para um tradicional colégio particular de BH, que também administrava a escola na nova cidade.

Por causa da profissão do meu pai, até os meus 17 anos, moramos em vilas de mineração. Dos 8 para os 9, no interior de Minas; e dos 9 até os 17, no meio da floresta amazônica. O lugar mais lindo e incrível que eu já morei em toda a minha vida e de onde eu guardo, graças a Deus, boas histórias pra contar. Aliás, já sei até a próxima que irei dividir com vocês, que, ao contrário desta, é uma história que me enche de alegria.

 

Carol aos 5 anos, em sua casa no interior de Minas

Acolhimento escolar e qualidade do ensino

 

Eu sempre gostei de ir para a escola. Detestava perder aulas e sofria demais quando isso acontecia, em virtude de alguma fratura ou de hospitalização por causa de cirurgia.

Contudo, estava acostumada a estudar numa escola pequena, que me viu crescer, com professoras amorosas e colegas de verdade. Essa escola, na qual estudei até os meus 8 anos, era, sim, muito simples. Mas, se faltava qualidade no ensino, sobrava em acolhimento.

Nunca tinha sofrido nenhuma rejeição na escola por parte de quem fosse, até ir parar nessa escola particular de BH.

A experiência que tive lá foi tão traumatizante que só recentemente consegui falar dela na terapia e para a minha mãe.

Então, vamos a essa história.

 

Carol aos 8 anos, se recuperando de uma cirurgia

Ninguém queria chegar perto de mim

 

Durante as férias de janeiro, eu tinha quebrado, mais uma vez, a perna esquerda, por isso precisei de mais uma cirurgia.

Eu mal tinha me recuperado da cirurgia anterior na mesma perna, que tinha feito em meados do 2° semestre do ano anterior, e já estava tendo que enfrentar tudo novamente.

De gesso novo na perna e de cadeira de rodas pra me locomover, fomos para o primeiro dia de aula. E, já nesse dia, passei por uma das situações mais constrangedoras.

Se na minha antiga escola, os meus colegas disputavam um espaço no meu gesso, pra assinar e desenhar, ali ninguém queria chegar perto de mim. Absolutamente nenhuma criança. Eu, que estava tão acostumada a ter colegas atenciosos ao meu lado, fui surpreendida com a indiferença.

Ficava num canto da sala, mais afastada, na cadeira de rodas, onde tinha mais espaço pra permanecer com a perna para o alto.

Quando tinha alguma dúvida com a matéria e queria perguntar, pedir ajuda, ninguém me dava espaço. Ficava angustiada sem entender o que estava sendo ensinado.

 

Aos 21 anos, se recuperando de mais uma cirurgia. Desta vez, nas duas pernas.

Eu era o assunto da vez

 

Até que, num determinado momento, percebi que um grupo de alunos cochichava, ria e apontava o dedo na minha direção. Eu não queria acreditar que era o alvo daquele auê todo.

De repente, a professora (que ao contrário das crianças, era um amor e muito atenciosa comigo) levantou a voz e deu uma bronca daquelas nos alunos. Então, tive certeza de que eu era o assunto do momento.

Voltei pra casa e só conseguia falar com a minha mãe que não queria mais ir para a escola. Ela ficou sem entender nada. Imagina! Logo eu?

 

Aprendendo a lidar com a solidão

 

Mas, além de tudo, tive que aprender a lidar com a solidão. Porque, para completar, na hora do recreio, ao invés de lanchar, brincar, conversar com os colegas, como os estudantes costumam fazer, me levavam pra ficar na enfermaria do colégio, até o recreio acabar. Absolutamente isolada de todos.

E lá eu lanchava sozinha, sem contato com ninguém, a não ser com uma supervisora.

Quando batia o sinal do recreio, me levavam de volta pra sala de aula. E assim foi até nos mudarmos de BH.

 

Carol em foto recente

O passado no presente

 

Às vezes, a gente nem imagina que uma experiência do passado pode nos afetar tanto na vida.

Por isso, família e amigos, ensinem os seus filhos, sobrinhos e netos a ver com empatia e respeito o que é “diferente” para vocês.

Só assim, um dia, teremos um mundo melhor.

 

 

 

Para saber mais:

 

“Posso carregar sua cadeira de rodas?” | Carolina Franco

Aceitar-se e reconhecer-se por meio do brincar | Mariane Ster

 

 

About Carolina Franco

Carolina Franco tem uma doença genética, rara, chamada Osteogênesis Imperfecta. Mais conhecida como a "Doença dos Ossos de Vidro”, possui 4 classificações na literatura médica, sendo a da Carol do tipo 4. Mineira de Belo Horizonte, pisciana, Carolina trabalha, estuda, cozinha, fotografa, escreve, viaja, nada, sonha, costura e vive com suas limitações sem deixar de aproveitar as belezas da vida. Tem vasta experiência com fraturas, internações, gessos, cirurgias ortopédicas, fisioterapia, cadeira de rodas, muletas, bengala e andadores. É formada em Marketing com especialização em Gestão Estratégica pela Fundação Dom Cabral e em Planejamento e Gestão Cultural pela PUC Minas. Representa a quarta geração de uma tradicional empresa mineira no setor de modelagem do vestuário. Para falar com ela: carolina.tmf@gmail.com

3 Comments

  1. Carol, vc se lembra do teatro de fantoches do Sítio do Pica-pau Amarelo que montamos no cinema de PTR e vc participou mesmo com a perna engessada? Já era uma guerreira vitoriosa! E muito entrosada com nossa escola! Te admiramos muito! Um grande abraço meu e do tio Juca.

  2. Carolina é um exemplo de coragem
    Conheço pessoalmente e admiro sua valentia
    Enfrenta tudo sem temor
    Seu depoimento é de muito valor e nos faz pensar nas diferenças entre nós e como sermos pessoas melhores
    Meu abraço com muito carinho para está menina valente 😘

    • Minha tia querida, muito obrigada pelo carinho de sempre e pela mensagem tão linda!!! Beijos mil <3 <3 <3

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