“Posso carregar a sua cadeira de rodas?” | Por Carolina Franco

Mas por qual razão carregar nossa cadeira de rodas não é solução para os desafios, apesar de muitas pessoas acharem que sim? É Carolina Franco quem responde a essa pergunta numa deliciosa crônica, mostrando por que a sociedade deveria nos ajudar a cobrar acessibilidade. Vamos ler?

 

Carolina está em sua cadeira de rodas, entre Lara Rogedo e Elisa Sayuri, no Festival de Moda de BH

 

 

“Mas a gente carrega a sua cadeira de rodas”

 

Por Carolina Franco

 

Dia desses, mandei uma mensagem pra Laura para compartilhar com ela toda a minha indignação em relação à falta de acessibilidade na grande maioria dos estabelecimentos comerciais, prédios públicos e residências da nossa cidade, Belo Horizonte. Como resposta à minha mensagem, veio o convite para eu escrever um post sobre o assunto.

Então, vamos lá! Cá estou eu, pra compartilhar com vocês este desabafo. Espero que, de alguma forma, este texto possa levar um pouco mais de conscientização sobre o problema que milhares de cadeirantes e pessoas com deficiência enfrentam todos os dias, nas grandes cidades.

 

Muito, mas não o suficiente

 

Sei que a questão da acessibilidade melhorou muito nos últimos anos. Mas esse “muito”, ainda assim, não é o suficiente para garantir o mínimo de mobilidade para cadeirantes e pessoas com alguma deficiência.

Há seis meses estou em recuperação de uma fratura no fêmur direito. Foi uma fratura complicada, no meu caso, e foi necessária intervenção cirúrgica para a colocação de uma haste e de alguns parafusos para a fixação do osso. Uma coisa é certa: nunca poderão dizer que eu tenho parafuso a menos.

Brincadeiras à parte, devido a essa nova fratura passei cinco meses numa cadeira de rodas, que deixei no dia 10 de março. Agora estou usando um andador de rodinhas para me locomover. Não é nenhuma novidade para mim estar numa cadeira de rodas, mas confesso que estava bem desacostumada. Nesse período, acabei vivenciando ainda mais, de certa forma, a vida de quem é cadeirante.

 

Carolina em seu andador com rodinhas

 

 

50 fraturas e 13 cirurgias

 

Eu costumo dizer que conheço muito bem os dois lados da moeda. O de ser cadeirante e de não ser, de poder andar e me deslocar com as minhas próprias pernas.

Tenho experiência de sobra no que diz respeito à mobilidade reduzida, uso de cadeiras de rodas, muletas, bengalas… Já perdi as contas de quantas vezes tive que reaprender a andar. Se o número de fraturas e cirurgias ortopédicas contasse ponto para o currículo, eu estava feita!

Digo isso, porque tenho uma doença rara, genética, chamada Osteogênesis Imperfecta (OI – tipo4), mais conhecida, nos tempos de hoje, como a Doença dos “Ossos de Vidro”. Muito prazer! Devido à OI, já foram mais de 50 fraturas e 13 cirurgias ortopédicas na minha coleção.

Portanto, fazer uso prolongado de uma cadeira de rodas não é nenhuma novidade para mim. Acontece que há 19 anos eu não tinha uma fratura tão feia que me demandasse tantos cuidados como essa última agora.

 

 

Que dó! Ainda de cadeira de rodas?”

 

Pra quem já passou tantos perrengues, posso dizer que a parte de ter que usar gesso, ou tutor, ou qualquer outra órtese para ajudar na recuperação nunca foi um problema pra mim. A pior parte é sentir dor.

Mas é aí que começa uma parte da minha indignação. Nesse período de recuperação, quantas e quantas vezes escutei, em tom de tristeza e lamento, por parte de algumas pessoas, as seguintes frases:

“Tadinha! Você ainda está de cadeira de rodas?”

“Nossa! Que dó! Ainda de cadeira de rodas?”

“Faça o jogo do contente: que bom que é só uma fase e que logo, logo, você estará andando e não precisará mais de uma cadeira de rodas!”

“Que sorte a sua que é por pouco tempo, né?”

Oi? Como é que é?

 

 

Não é vergonha precisar de uma cadeira de rodas

 

Cada vez que eu ouvia frases assim, ficava mais impressionada com o absurdo do que essas palavras significavam. Com a falta de sensibilidade. Prefiro acreditar que essas pessoas ainda não tinham ideia e consciência da seriedade do que estavam falando.

Gente! Não tem problema nenhum estar numa cadeira de rodas. Não é vergonha nenhuma precisar usar uma cadeira de rodas! No meu caso é temporário, sim. Mas e se não fosse? E se eu tivesse que ficar numa cadeira de rodas?

Sabe o que é absurdo? Sabe o que é vergonhoso?  A falta de acessibilidade nas nossas cidades. A falta de mobilidade urbana! Isso é revoltante! Estar numa cadeira de rodas, ou precisar usar qualquer outro aparelho para se locomover não deveria nunca ser visto como um problema.

 

 

Então, onde está o problema?

 

O problema é você não poder ir num lugar porque, na entrada, é só escada. E não há nenhuma alternativa de acessibilidade. Quantos lugares eu deixei de frequentar por falta de acessibilidade!

“Mas a gente carrega a sua cadeira de rodas pra subir!”

Não! Eu me recuso a aceitar isso. Não tem essa não. Está absolutamente errado. Um lugar para ser acessível tem que oferecer autonomia, conforto e segurança!

Se não tiver isso, não é acessível.

E, no meu caso, essa opção de “carregar você na cadeira de rodas” está completamente fora de cogitação, porque, para mim, pode significar uma nova fratura.

A questão da acessibilidade sempre despertou muito a minha atenção e é uma preocupação que sempre se fez presente na minha família.

Ninguém sabe o dia de amanhã. Acho que as pessoas não percebem que qualquer um de nós, em algum momento da vida, pode precisar da ajuda de uma cadeira de rodas, ou de muletas, seja por causa de uma fratura, uma cirurgia, ou qualquer outro problema de saúde.

O que quero dizer é que todos nós podemos ajudar muito quem de fato vive e depende de uma cadeira de rodas, ou muletas, para se locomover nas cidades. E ter esse “olhar” mais cuidadoso com o outro é sinal de empatia, de solidariedade.

 

Carregar um cadeirante escada acima não é risco que valha a pena correr

 

 

Sim, é desumano

 

Eu me considero uma pessoa de muita sorte porque, mesmo com toda dificuldade de locomoção, posso contar com o apoio da minha família, para ir até os lugares que oferecem o mínimo de condições para eu poder me deslocar com segurança.

Mas você já parou para pensar em quem depende do transporte público nas grandes cidades? Já viu o absurdo que é não ter o mínimo de condições de deslocamento? De não poder contar com calçadas decentes? Ônibus adaptados? Calçadas rebaixadas para poder atravessar as ruas com segurança?

Isso é desumano. Quando você nega a uma pessoa a possibilidade de se deslocar, de frequentar lugares, por falta de acessibilidade, você está negando a ela o direito de ser cidadã. De se sentir pertencente àquele lugar.

 

Troque piedade por respeito

 

Pode parecer bobagem para vocês, mas é muito chato e frustrante você não conseguir entrar num lugar porque não tem o mínimo de condições para te receber.

É chato não poder experimentar uma roupa numa loja porque não tem uma cabine acessível. Às vezes, até tem, mas acabam usando como estoque, porque “não são tantas pessoas cadeirantes que aparecem na loja”. Pois é! Eu ouvi isso numa loja cuja cabine estava ocupada por caixas e mais caixas!

É chato ter que ficar esticando o pescoço porque o balcão da loja é alto e você não consegue conversar com a vendedora e nem ver a tela do computador.

É chato quando te tratam como uma criança, só porque você está numa cadeira de rodas, sendo que você já passou dos 30, trabalha, sabe falar e paga as suas contas.

Esses são só alguns exemplos. Nenhum cadeirante, pessoa com qualquer deficiência ou mobilidade reduzida, quer piedade.

O que se pede é respeito.

 

A sociedade ainda não compreendeu que a acessibilidade é boa para todos, e não apenas para as pessoas com deficiência

 

 

O papel de cada um

 

 

E o que você pode fazer? Muito! Acredito que todos nós temos um papel importante de fiscalizar a questão da acessibilidade nas nossas cidades.

Não adianta nada fazer um restaurante que tenha uma entrada relativamente acessível, se ele não possui banheiros adaptados. Não adianta colocar uma rampa na entrada e achar que resolve o problema se ela for íngreme.

Então, te convido a fazer um exercício de observação, para começar. Na próxima vez que for sair, olhe com mais atenção para a sua casa, para o seu prédio, para os obstáculos que você encontra no caminho, na sua rua, repare se os meios de transporte atendem quem tem mobilidade reduzida, repare nos prédios comerciais, nas lojas, olhe para as pessoas, com mais carinho!

Questione o que estiver errado, o que não inclui, o que não agrega.

Eu, você, seu pai, sua mãe, seu filho, seus avós, seus amigos, sua família, só temos a ganhar com isso. O mundo só tem a ganhar com isso. São pequenas ações que podem de fato ajudar a transformar o mundo.

 

 

Sim, nós podemos

 

Não poderia terminar esse meu desabafo sem comentar também as boas ações e atitudes que tenho vivido e presenciado neste momento.

E eu queria agradecer, de coração, cada uma dessas pessoas que tenho encontrado no meu caminho e que tentaram me ajudar de alguma forma, seja empurrando a minha cadeira de rodas, quando eu precisei; segurando a porta do elevador, pegando um produto que estava na prateleira de cima no supermercado, me dando passagem entre as mesas do restaurante, ou que me ofereceram alguma ajuda, mesmo sem saber direito como ajudar. Muito obrigada!

Eu acredito muito na bondade das pessoas. Acredito sim que gentileza gera gentileza.

E acredito que, juntos, podemos fazer o mundo melhor.

 

About Carolina Franco

Carolina Franco tem uma doença genética, rara, chamada Osteogênesis Imperfecta. Mais conhecida como a "Doença dos Ossos de Vidro”, possui 4 classificações na literatura médica, sendo a da Carol do tipo 4. Mineira de Belo Horizonte, pisciana, Carolina trabalha, estuda, cozinha, fotografa, escreve, viaja, nada, sonha, costura e vive com suas limitações sem deixar de aproveitar as belezas da vida. Tem vasta experiência com fraturas, internações, gessos, cirurgias ortopédicas, fisioterapia, cadeira de rodas, muletas, bengala e andadores. É formada em Marketing com especialização em Gestão Estratégica pela Fundação Dom Cabral e em Planejamento e Gestão Cultural pela PUC Minas. Representa a quarta geração de uma tradicional empresa mineira no setor de modelagem do vestuário. Para falar com ela: carolina.tmf@gmail.com

6 Comments

  1. Pingback: Bullying e solidão da criança com deficiência na escola

  2. Carol vc é uma pessoa, especial. Com todos esses problemas a vida não te tornou uma pessoa amarga, pelo contrário, você é doce alegre e bem humorada.
    Muito bom o seu blog.
    É preciso q as autoridades neste Brasil entendam os problemas de locomoção dos cadeirante e tomem providências. Na Europa e nos EEUU as ruas são lisas, cuidadas, com rampa nas esquinas, os ônibus são adaptados para receber pessoas com dificuldade de locomoção.
    Aqui é uma vergonha.
    Mas vc esqueceu de mencionar no sru currículo q é uma expert em fotografia e já ganhou prêmios com suas fotos que são lindas.
    Beijos minha querida, saudades suas

  3. Carol, sua força é incrível!!! Obrigada pelo exercício que nos deu e como você disse, cabe a todos nós e é bom para todos nós termos acessibilidade.

    • Isabel, minha querida amiga, fico feliz que tenha gostado e espero mesmo contribuir de alguma forma, levando essa reflexão pa todos. Muito obrigada pelo carinho e apoio! Beijinhos

  4. Parabéns Carolina é uma pena não contarmos com você decidindo em esferas políticas, pois seu exemplo de força de vontade, perseverança e comunitário é maravilhoso. Parabéns, seu exemplo é um presente de Páscoa para todos nós e trás esperança de um mundo melhor

    • Oi Tadeu! Fico muito feliz de saber que você gostou do texto. Espero que esse desabafo contribua para uma conscientização do nosso papel na sociedade, que todos precisam ajudar para melhorar a acessibilidade nas nossas cidades. Não é mesmo? Tudo de bom pra você e para a sua família. Feliz Páscoa. 🙂

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