De Mulher Maravilha a Mulher Comum

 

Não, não somos todas Mulheres-Maravilha! E creio que não precisamos mais dessa fantasia para elevar a autoestima.

 

Mulher Maravilha? Só que não.

Fico impaciente quando vejo postagens elogiando mulheres multitalentosas que se desdobram em mil para dar conta das tarefas que lhes cabem (ou lhes são impostas). Aí, aparecem montes de imagens indicando que somos todas Mulheres Maravilha, incluindo as cadeirantes.

Eu também já fui a representação da Mulher Maravilha: aquela que trabalha, dirige, estuda, faz trabalho voluntário, namora, tem hobby, tem blog, mora sozinha, visita a família, sai com os amigos, faz unha, cuida do cabelo e ainda tem energia no dia seguinte para salvar o mundo… Ufa! É uma postura adoecedora, tanto física quanto emocionalmente.

Hoje o mito da Mulher-Que-Dá-Conta-de-Tudo me parece retrógrado e até pernicioso. Mulheres ou homens, mais cedo ou mais tarde, precisarão encarar o fato de que estamos servindo ao sistema com essa correria toda e esse acúmulo de tarefas. Afinal, a frustração decorrente dessa loucura necessariamente faz vender produtos, incluindo os farmacêuticos. E não somos nós que ganhamos com isso.

 

Manas e minas

 

Mas meu recado hoje, no Dia Internacional da Mulher, é para as manas.

Mulheres, até que dia vamos acumular tarefas para receber aprovação social – e rosas no nosso dia? Estamos correndo feito loucas em nome de quê? Até que dia vamos adoecer por falta de autocuidado para ter que dar conta de tudo? Vale pagar o preço?

Ah, que vontade de ver mulheres homenageadas/lembradas/aceitas simplesmente por serem quem são! Mulheres vestidas de si mesmas! Mulheres que menstruam, ficam grávidas, engordam, emagrecem e engordam de novo, mulheres emotivas, choronas, na menopausa! E TÁ TUDO BEM!

 

Que nós mulheres possamos estar tranquilas e relaxadas com o que somos (Foto: Rawpixel)

 

Mulheres que, exatamente por terem o sistema hormonal fabricado caprichosamente como gangorras, são sensíveis, criativas, compassivas, agregadoras, reconfortantes, macias, cuidadoras. Sem deixar de ser tremendamente corajosas, observadoras, argutas e comunicadoras natas.

 

Eu tenho um sonho…

 

Que vontade de ver mulheres que não tenham vergonha de ser elas mesmas, que tenham orgulho de si. Que curtam ser quem são.

Como podemos esperar que alguém nos aprove como somos, se temos vergonha de nós mesmas? Se nos permitimos ser criticadas por causa do amor que dedicamos a tudo, desde o filho até a árvore da esquina? Se escondemos nossas mudanças de humor, achando que somos piores que os homens por causa disso?

E não se permitir ser criticada por ser quem é tem menos a ver com protestos infindos e muito mais a ver com a própria postura diante da sociedade. É impossível não reconhecer uma mulher empoderada: seus gestos firmes, seu olhar que sustenta o olhar do outro, sem precisar ser arrogante, irônico ou grosseiro, seus passos decididos, sua voz equilibrada, seu bom senso, seu discurso isento de retaliações.

 

Amo demais ver a atleta Jessica Messali mostrar o corpo no Instagram, sem tentar esconder a atrofia das pernas, muito pelo contrário. Ela assume plenamente sua condição, e sua beleza realça! Que lindeza esta moça!

 

Meu sonho é ver nós mulheres felizes com nós mesmas. E, por isso, também felizes com nossas escolhas (quaisquer que elas sejam).

Sigamos juntas, com amor, nos apoiando e nos protegendo. Rumo a um futuro em que não precisemos mais do Dia da Mulher como data para relembrar fatos e refletir, porque não mais haverá nem discriminação nem violência contra nós. Amém!

 

As 10 mais

 

Elegi 10 mulheres que admiro, mas admito que não foi fácil.

Optei por elas pela coragem, pela persistência, pelo talento, pela sensibilidade, pelo gênio. Todas estão/estiveram à frente de seu tempo!

Mais que homenageá-las, quero manifestar gratidão pelo seu legado. Eu as adotei como madrinhas do meu modo de me guiar no mundo. Vem comigo conhecê-las?

 

1) Maria da Penha:

 

 

Seu esposo tentou matá-la com um tiro de espingarda, que a deixou paraplégica, e depois tentou eletrocutá-la.

Como a Justiça brasileira, após anos de processo, não resolveu a situação, ela recorreu a organismos internacionais. Em 2002, o Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência.

Maria da Penha lançou um livro e, por sua luta, teve batizada com seu nome a lei que protege mulheres da violência doméstica e familiar. Por sua luta, hoje as mulheres têm mais chance de ver a justiça sendo feita.

 

 

2) Chimamanda Adichie:

 

 

Nascida na Nigéria, se tornou escritora e já foi traduzida para mais de 30 idiomas.

Também é uma importante voz do feminismo e do debate de questões de relevância social, realizando palestras e publicando livros de não ficção.

É extremamente lúcida, sensível, elegante e bonita, a ponto de despertar estranhamento por ser uma “intelectual que se cuida”.

Vale a pena conferir seus livros e suas palestras no TED, que a tornaram um fenômeno no Brasil. Uma mulher linda, que é ao mesmo tempo delicada e forte.

 

 

3) Maria Montessori:

 

 

Uma educadora que merece ser estudada, e seu método aplicado.

Primeira mulher a se formar em medicina em seu país, foi também pioneira no campo pedagógico ao dar ênfase à autoeducação. Sua concepção de educação se estende além dos limites do acúmulo de informações. Vários educadores respeitados beberam água nesta fonte e continuam a perpetuar suas ideias.

Não deixe passar esta oportunidade de saber mais sobre ela! Clique aqui para ler uma boa reportagem!

Para mim, seu método é guia poderoso até para fazer este blog.

 

4) Clara Nunes:

 

 

 

Grande cantora brasileira, tinha paixão pela cultura negra, que trouxe para sua música, seu modo de se vestir e de dançar.

Rompeu com preconceitos ao trazer a influência dos terreiros de candomblé para a MPB.

Era intensa, carismática, sensual: filha de Ogum com Iansã, como ela mesma cantava.

Assistam aos seus clipes no Youtube e prestem atenção ao gingado, ao canto, às letras. Um grande aprendizado de conexão com a natureza e de manifestação de sensualidade espontânea.

 

5) Teresa de Calcutá:

 

 

É minha escolha porque não permitiu que nada lhe interrompesse os caminhos: nem os desafios internos, nem os externos.

Além disso, tinhas atitudes controvertidas, das quais não arredava pé, o que demonstra que era da pá-virada (não sei se vocês sabem o que é isso…).

Chegou a ser acusada de dogmatismo (acho que eu diria que era cabeça-dura mesmo), mas quem é que não tem defeitos, né? Gosto muito dela e me identifico com a sua “insignificância”. Era baixinha, magrelinha, e isso não constituiu desculpa para desistir da sua missão, apesar da enormidade dos desafios.

Certamente não concordo com algumas de suas posturas, mas a respeito e valorizo muito pela força, pelo empenho e pelo amor aos mais fragilizados.

 

6) Hipátia de Alexandria:

 

 

 

Esta, sim, uma mulher totalmente à frente do seu tempo.

Nasceu três séculos após a morte de Cristo, em Alexandria. Foi a primeira mulher matemática de que se tem conhecimento seguro, professora de astronomia, conferencista, filósofa. Muitos vinham de longe receber sua instrução, pois sua sabedoria era considerada excepcional. Todos os homens a admiravam.

Foi assassinada de modo brutal por cristãos fundamentalistas. Assista ao filme “Alexandria” para ter o prazer de conhecê-la!

Dizem que era lindíssima, além de tudo. Quem a interpretou no cinema é outra mulher maravilhosa: Rachel Weisz

 

 

7) Amy Purdy:

 

 

Ficou conhecida no Brasil por ter se apresentado numa belíssima coreografia com um robô na abertura das Paralimpíadas Rio 2016. Ainda bem que eu estava lá para ver algo tão incrível e tão bonito.

Biamputada, usa duas próteses moderníssimas que lhe permitiram ser finalista em uma competição de dança e ganhar medalhas em importantes competições de snowboard. Casada, fundou com o marido a Adaption Action Sports, que trabalha com jovens e veteranos de guerra que adquiriram deficiência.

É tão carismática que arrancou suspiros e muitas declarações apaixonadas com sua apresentação. Um internauta chegou a dizer: “Amy deixou o Maracanã de queixo caído com um dos mais belos momentos da abertura, simplesmente maravilhosa”. Concordo!

Clique aqui para assistir à apresentação com uma excelente resolução de imagem. Abaixo, a publicada no Youtube, cujas imagens não são tão nítidas:

 

 

 

8) Iris Apfel:

 

 

A idade não interrompeu o entusiasmo dessa velhinha sapeca, que continua dando uma banana para os padrões.

Aos 97 anos, a modelo Iris Apfel agora é da mesma agência de Gisele Bündchen. Criativa, inspirada, é um ícone entre os mais jovens, que a têm como referência.

Ela é minha referência também, exatamente porque não dá importância nenhuma para o que os outros acham dela. Além de tudo, é inacreditável sua capacidade para harmonizar o que parece desagregador e over. Totalmente demais, como diria Caetano.

 

 

9) Suzana Herculano-Houzel:

 

 

Brasileira conhecida pelo trabalho de divulgação científica, Suzana é doutora em Neurociências pela Université Paris VI.

Foi quem primeiro despertou meu interesse pelas neurociências, com um artigo que escreveu sobre o filme “Minority Report”. Nessa época, descobri que minhas intuições a respeito de não sermos determinados pelo meio, e termos pelo menos algum poder de escolha, tinham razão de ser!

Desde então, comecei a segui-la e aprender com ela, que é super didática e fala de um jeito que qualquer um entende. Foi uma grande referência para que eu desenvolvesse uma linguagem acessível a qualquer pessoa, sem precisar, com isso, abrir mão da profundidade. Como não ser grata?

 

10) Mãe Meninha do Gantois:

 

 

Foi uma das lideranças religiosas mais importantes do Brasil.

No período em que as religiões de matriz africana sofriam perseguição e violência policial na Bahia, ela popularizou o candomblé permitindo que artistas e intelectuais frequentassem o Terreiro do Gantois.

Jorge Amado escreveu: “Mãe Menininha está acima de toda e qualquer divergência de ordem política, econômica ou religiosa. É a Iyalorixá de todo o povo da Bahia, sua mão se estende protetora sobre a cidade”.

Que beleza, não? Ela é minha inspiração exatamente por estar acima das divergências. <3

É a representação da Grande Mãe, da Grande Sacerdotisa, a sabedoria que se curva diante de uma criança.

 

Sou rica, sou rainha, sou todas elas

 

Gente, foi uma luta escolher apenas 10 mulheres. Mas estou certa de que escolhi 10 verdadeiras rainhas.

Por admirá-las e buscar a energia delas naquilo que faço, sou um pedacinho de cada uma, com gratidão.

Sem dúvida, eu não poderia deixar de prestar uma homenagem especialíssima às minhas ancestrais, mulheres com uma força inacreditável. Elas deixaram em mim marcas de diversas etnias: portuguesa, negra e indígena. E me carimbaram com energias definidoras do meu caráter.

Eu não seria quem sou se não tivesse essa herança genética.

E vocês, a quais mulheres gostariam de manifestar gratidão? Contem para nós! <3

 

De minha mãe veio como herança a força diante dos desafios e o gosto pelas viagens. Que mais eu poderia querer?

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

12 Comments

  1. Ei, Laura! Maravilha de texto! Adorei! Eu concordo que são muitas mulheres especiais que nos marcam, mas também deixo aqui o agradecimento às minhas queridas mãe, avó e tias. Em especial minha vó Esther, que era parteira e deixava meu avô dormindo sozinho muitas vezes para atender as grávidas da região. Saía sozinha à noite, carregando sua coragem e habilidade em proporcionar bons partos. Minha avó Hilda também é um exemplo para mim. Madrasta do meu pai, mãe de um monte de filhos e sempre sábia, forte, animada e bem resolvida. Tive sorte. Avós marcantes. Nesse exato momento estou aqui pensando que preciso buscar dessa força delas para mim. Seu texto está me ajudando a me sentir mais capaz. Obrigada! Bjos!❤️

  2. Oi, Laura! Adorei o post!
    É sempre um alívio sermos lembradas de que não precisamos ser mulheres maravilha, já que, vivermos nossa humanidade (feminilidade) já nos basta.
    Adorei suas 10 escolhidas. Eu incluo a jovem Malala por sua persistência pelo direito à educação para todas as meninas e mulheres; a escritora (negra e brasileira, já falecida) Carolina Maria de Jesus autora do livro “Quarto de despejo, diário de uma favelada”; Clarissa Pinkola Estes, autora de “Mulheres que Correm com os Lobos” e “A ciranda das mulheres sábias” também entra na minha lista, pois, considero fabulosa a forma com a qual ela resgata o poder do feminino por meio de nossas antepassadas.
    Gratidão por compartilhar seus pensamentos!
    Beijos no coração.

    • Maíra querida, grata pela visita!

      Concordo com tudo o que disse e adorei as suas escolhidas. Eu também as escolheria.

      Quero destacar Malala, pela idade. Se tão jovem já mostra sabedoria, firmeza e força moral, é de acreditar que auxiliará muito o progresso na educação e no respeito às mulheres e aos imigrantes.

      Um grande bjo!

  3. Oi!
    Eu sempre digo que tantas vezes, quantas me for permitido quero viver experiências do universo feminino, reiterando o meu respeito ao universo masculino. Depois de ler o seu texto me sinto ainda mais feliz e grata pela minha experiência atual.
    Eu também pego uma carona e reverencio minha mãe e toda a minha linhagem.
    Gratidão!

    • Ei, Sônia, grata pela visita!

      Também tenho muito respeito pelo universo masculino, e até tenho muitas características masculinas. Mas tenho um amor imenso pelas “coisas de mulher” e pelo nosso jeito.

      Que eu possa ver, um dia, os homens não apenas respeitando as mulheres, mas se sentindo em paz por poderem acolher em si características femininas.

      Um gde beijo!

  4. Amei o seu artigo. Tem algumas que ainda não conhecia. Parabéns Laura Martins

  5. Vou pegar carona na sua última foto e dedicar minha gratidão à minha mamãe. Para mim ela é muito mais legal do que mulher maravilha. =) É uma mulher comum que tem defeitos, qualidades, cai, levanta, tem seus aprendizados e desafios, mas aceitou ser minha mãe (corajosa rs), me deu a oportunidade de retornar à vida e ainda me ama da maneira que eu sou!

    • As mamães são de fato dignas de todas as homenagens, com todos os seus aspectos de humanidade! Um grande beijo para a sua!

      Muito obrigada pelo comentário. Te envio as melhores energias!

  6. Obrigada Laura!

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