Acessibilidade em hotéis: projeto de lei quer trocá-la por desconto na diária

 

Hotel Sheraton, na cidade de Porto (Portugal), um excelente hotel também no que se refere à acessibilidade.

 

Está tramitando na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 230/2019, do Deputado Roberto de Lucena, que propõe um desconto na diária quando o hotel não conseguir cumprir a lei de acessibilidade.

Os títulos das notícias veiculadas dão a entender que a proposição beneficia as pessoas com deficiência, afinal são usadas expressões como “proposta exige desconto” ou “proposta garante desconto”. Parece bom, não? Todo mundo gosta de desconto… Contudo, se lermos a notícia completa, veremos que a suposta vantagem não se confirma no texto; são só aparências.

Sendo assim, este post tem como objetivos:

1) Analisar a proposição, mostrando como os títulos das notícias dão a entender algo que não é a realidade.

2) Trazer para nossa reflexão as leis que regulam a matéria, que parecem não ter sido levadas em consideração na redação do projeto.

3) Propor formas de lutar contra a aprovação do projeto, já que, conforme compreendo, ele lesa os interesses do nosso segmento.

 

Leia duas notícias sobre o projeto:

Proposta exige desconto para pessoa com deficiência em hotel sem acessibilidade | Jornal A Crítica Digital

Proposta garante desconto para PcD em hotel sem acessibilidade | D24am

 

 

Toda atenção é pouca

 

Se não ficarmos de olhos abertos, nossos direitos vão sendo subtraídos. Até porque algumas categorias organizadas, sentindo-se prejudicadas, recorrem ao lobby para proteger seus interesses.

E assim aconteceu na última semana, quando fomos informados de que havia sido apresentado um projeto que nos prejudicava, pois, se aprovado, permitiria que a rede hoteleira deixasse de cumprir normas de acessibilidade em certos casos.

Como sempre faço questão de lembrar, temos excelentes leis de acessibilidade no Brasil. Mas, lamentavelmente, elas não são cumpridas, e não há fiscalização que dê jeito nisso.

 

 

 

O que diz o Projeto de Lei nº 230/2019

 

Vamos refletir agora sobre o texto da proposição apresentada pelo Deputado Federal Roberto de Lucena.

Li, nas notícias veiculadas, que “O Projeto de Lei 230/19 garante às pessoas com deficiência um desconto de 10% na diária em hotéis ou pousadas que, por impossibilidade técnica devido a riscos estruturais da edificação, não possam oferecer dormitório acessível.”

Quem redigiu o texto de fato caprichou para que a maioria não notasse a pegadinha. Talvez ela só fosse percebida pelos que conhecem as normas de acessibilidade; os demais tenderiam a ver na futura lei um benefício.

Entretanto, lendo o texto, descobrimos que seu propósito é alterar o art. 45 da Lei Brasileira de Inclusão. E digo que esse é o propósito porque é o fato gerador do desconto. As demais propostas inseridas no projeto não inovam juridicamente e por isso não seriam aprovadas. Será que o redator não sabia disso? O que você acha?

Mas para que alterar o art. 45? Aí chegamos ao ponto: para conceder aos estabelecimentos hoteleiros uma pena muito menor que a prevista no caso de descumprimento da lei. Trocando em miúdos, o projeto parece ser simplesmente um subterfúgio para o não cumprimento da lei.

E isso me dá uma profunda tristeza.

 

Não me engana, que eu não gosto

 

Precisamos aprender a interpretar as pegadinhas dos textos parlamentares, que podem passar despercebidas pelos seguintes motivos:

1) Aquele monte de letras costuma vir embalado num pacote bonito. No caso presente, com o discurso de “é para ajudar os deficientes”. Mas, no fundo, não é bem assim.

2) Não temos o hábito de acompanhar os parlamentares, nem mesmo aqueles nos quais votamos. Estou mentindo, gente?

3) Generalizando, a maioria de nós não aprendeu nada sobre o processo de tramitação de um projeto que será transformado em lei, nem sabe como interpretar o texto confrontando-o com outras leis.

 

Hotel acessível em São Paulo

 

 

Explicando com detalhes

 

Eu sou como criança: gosto de tudo muito explicadinho. Nada de me enganar com frases esotéricas. Por isso, imaginei que você também goste de entender a situação de modo completo. Sendo assim, fiz o melhor que pude para estudar as leis e compartilhar estes dados da forma mais didática possível.

Publiquei no Facebook um vídeo analisando a situação. Ele está abaixo, para não prejudicar a fluidez da leitura. Assim, caso deseje, é possível assisti-lo ao final.

Creio que posso dizer que nós, pessoas com deficiência, não queremos descontos de 10%. QUEREMOS ACESSIBILIDADE. Pelo menos, foi a opinião unânime dos que comentaram nas publicações do Instagram e do Facebook.

Afinal, para que desconto, se o hotel não vai conseguir nos atender? Se não poderemos usar o banheiro, por exemplo? Como vamos permanecer em um hotel que coloca nossa segurança em risco e não oferece autonomia nem conforto?

 

Mesmo edifícios históricos podem receber adaptações

 

 

 

Leis e normas de acessibilidade em hotéis

 

No vídeo, citei a seguinte legislação. Deixarei os links aqui, para que você possa conhecê-la.

1) Lei Brasileira de Inclusão (LBI) – Ler art. 45

2) Decreto nº 9.296, de 2018, que regulamenta o art. 45 da LBI e estabelece o que fazer em caso de impossibilidade de realizar adaptações em hotéis construídos até 2004. Ler principalmente o art. 4º.

3) NBR 9050/2015

 

Acessibilidade não é apenas para pessoas com deficiência, mas para idosos, gestantes, crianças e por aí vai.

 

Propostas de ação

 

Sugiro algumas ações com o objetivo de deixar claro que somos contra a aprovação do projeto e de lutar para que ele não prospere. No mínimo, tais ações indicarão que estamos vivos; além disso, aprenderemos, pouco a pouco, a nos manifestar aos parlamentares. Ficar sem fazer nada seria a pior das escolhas.

 

Ficar sem fazer nada seria a pior das escolhas.

 

1) Assistir ao vídeo

e examinar as leis a fim de verificar se concorda com minha argumentação. Caso contrário, podemos rever a análise.

 

2) Compartilhar este post

 

marcando o Deputado Roberto de Lucena, a Câmara Federal, a Senadora Mara Gabrilli, a primeira-dama Michelle Bolsonaro e outros órgãos ou pessoas de que se lembrarem, como o Crea e o CAU. Para fazer essa marcação, procure o endereço deles no Facebook e no Instagram.

 

3) Usar em seu post as hashtags

 

#robertodelucena #CâmaraFederal #maragabrilli #michellebolsonaro, entre outras.

 

4) Encaminhar e-mail

 

aos secretários e à presidência das seguintes comissões, pelas quais a proposição vai tramitar, manifestando que você é contrário à aprovação do projeto e dizendo por quê:

Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência | Presidência será instalada somente em 4/4/19 | Secretária: Raquel Ferreira de Carvalho Aldigueri

Turismo | Presidência será instalada somente em 4/4/19 | Secretário: Calebe Nunes Silva

Constituição e Justiça e de Cidadania | Secretário: Nivaldo Adão Ferreira Júnior

Informações retiradas daqui.

 

♦ No próximo post, deixarei um modelo de texto de e-mail, caso queiram copiá-lo.

 

 

5) Fazer o cadastro

no site da Câmara a fim de acompanhar a tramitação do projeto.

 

6) Acessar o e-Democracia

 

e aguardar que o projeto apareça na página para se posicionar. O Portal foi criado para ampliar a participação social no processo legislativo e aproximar cidadãos e seus representantes por meio da interação digital.

 

7) Encaminhar e-mail

 

ou mensagem direta, ao autor do projeto, à Senadora Mara Gabrilli (os endereços estão abaixo) e à primeira-dama Michelle Bolsonaro (não encontrei o contato dela em nenhum lugar).

 

 

Todas as pessoas necessitam de acessibilidade. Cabe a cada um de nós motivar a todos para que se manifestem, pelo menos em suas redes sociais.

 

 

Para nós e por nós

 

Uma palavra final: podemos nos considerar empoderados quando conseguirmos mostrar para nós mesmos que podemos fazer algo por nós mesmos. Pelos nossos direitos. Pela nossa dignidade.

Só que o jeito de sermos mais fortes é fazermos JUNTOS.

Se a gente soubesse a força que tem…

Até a próxima, desejando que tenhamos sucesso na empreitada!

Laura Martins

 

Devemos a nós mesmos a atitude de sair da zona de conforto e nos manter unidos na luta (Tirinha da Mafalda)

 

Para saber mais

 

Texto do Projeto de Lei nº 230/2019

Acompanhe a tramitação

Vídeo que gravei sobre o assunto

 

Contatos:

 

Deputado Federal Roberto de Lucena

E-mail: dep.robertodelucena@camara.leg.br | Telefone: (61) 3215-5235

 

Senadora Mara Gabrilli

Gabinete Brasília | Fone/Fax: 3303-2191/ 3303-2192/ 3303-2775

Escritório São Paulo | Fone/Fax: 3222-2201 | E-mail: contato@maragabrilli.com.br

 

Acessibilidade = responsabilidade social

 

 

Algumas opiniões dos leitores

 

♦ Concordo que essa possibilidade de conceder um desconto é um absurdo! Aceitar esse desconto é mais absurdo ainda!!! Quem está propondo essa lei não tem a mínima idéia de como é a vida de uma pessoa com deficiência num país tão deficiente como o nosso! Permitir que hotéis dêem desconto é legitimar a não necessidade de eliminar as barreiras arquitetônicas e atitudinais! (Bertha Zanatta, arquiteta)

♦ Hahaha, se virar lei, vai ser um ótimo post para o Leis Absurdas do Brasil – LAB (William Dias Gomes)

♦ Desconto pra quê? Sem acessibilidade o hóspede não toma banho, não consegue entrar no quarto, não consegue se alimentar….. Então não precisamos de desconto, precisamos de ACESSIBILIDADE. (Eliane Roncato)

 

 

Quando a rede hoteleira vai compreender que acessibilidade é útil para todos? Será que não percebe que a população com deficiência ou mobilidade reduzida está crescendo?

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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