Rampa: acessibilidade ou improviso?

 

Em novembro de 2018, lancei uma provocação no Facebook e no Instagram do Cadeira Voadora. Publiquei a foto de uma rampa (veja abaixo) e fiz o seguinte questionamento aos leitores:

 

Esta é a imagem da rampa que utilizei na postagem das redes do Cadeira Voadora. Eu a encontrei no Pinterest, sem informação sobre localização.

Qual a sua opinião sobre a rampa mostrada na imagem? Acha útil? Oferece segurança? Você usaria?

Vamos fazer uma tempestade de ideias? Peço ajuda também aos arquitetos e designers.

Única regra para discussão: vamos ouvir uns aos outros, combinado?

Esta postagem tem o objetivo de nos auxiliar a compreender a acessibilidade.

 

O debate foi mais rico do que eu esperava.

Resolvi, então, reunir os comentários em um único post; do contrário ficariam dispersos e difíceis de ser acessados. Agora, poderemos voltar a eles com facilidade!

 

Propósito da discussão

 

O propósito do post foi cumprido e me deixou feliz porque todos puderam se expressar livremente, sem ironias e críticas por parte dos demais.

Mas para que um debate sobre este assunto? Por que não um post contendo exclusivamente esclarecimentos técnicos?

Com certeza uma análise técnica baseada nas normas é fundamental. Contudo, não podemos nos esquecer do “Nada sobre nós sem nós”, slogan que lembra a importância de ouvir os usuários. Até porque muitos destes apresentam situações que poderiam passar despercebidas aos especialistas.

Sabemos que a informação empodera. Mas, para isso, ela precisa atingir o maior número de pessoas, da forma mais didática possível, para ser transformada em conhecimento e ação.

Foi por isso que propus uma “tempestade mental” em vez de um post exclusivamente informativo. Na minha experiência, quando dirigidos ao grande público, dados técnicos podem não ser compreendidos ou ser esquecidos logo, logo.

 

Afinal, a que conclusão chegamos?

 

A foto que publiquei mexeu com as emoções dos leitores, já que a maioria tem alguma deficiência física, ou se relaciona com alguém que tem. Uns se manifestaram assustados, outros indignados, outros tristes. Também houve os que se disseram dispostos a utilizar uma rampa desse tipo, dependendo das circunstâncias.

Neste post, vejam bem, minha intenção não é dizer quem está “certo” ou “errado”, mas registrar as opiniões para que possamos ouvi-las e aprender com elas.

Registrarei também os esclarecimentos dos arquitetos, porque são fundamentais para nos orientar sobre as normas e funcionalidades.

 

Esta é a arte que provocou a discussão sobre a rampa

Sem dúvida a informação empodera, desde que ela também seja acessível ao indivíduo. Informação que não se transforma em conhecimento não é útil. (Foto minha: Giuliano Cretoiu)

 

 

Resumo dos comentários à postagem

 

Transcreverei ao final do texto somente uma parte dos comentários, já que houve vários com o mesmo teor. Fiz um resumo das opiniões e cheguei ao seguinte quadro:

 

♦ Vantagens

 

– Facilidade de transportar a rampa para qualquer lugar, já que ela pode ser dobrada.

– Serve tanto para colocar a cadeira de rodas no carro quanto para quebrar o galho em outras circunstâncias.

– Serve de guia para os pneus da cadeira em terrenos em más condições.

– Usada com cautela, pode ser uma alternativa, em ocasiões de improviso.

 

♦ Desvantagens

 

– Não é segura, nem confortável, nem permite autonomia. Em resumo: não é acessível. Um cadeirante só poderá usá-la com assistência de outra pessoa.

– Se for colocada sobre degraus, e eles forem muitos, a rampa ficará muito íngreme, então há risco de queda.

– Rampas não são destinadas exclusivamente a cadeirantes, e esse tipo não oferece nenhuma segurança para idosos, gestantes, etc.

– Será que teria estabilidade para suportar cadeiras de qualquer peso?

– Precisa de dois parafusos para afixar cada peça e ter alguma estabilidade.

– É útil para guardar cadeiras pesadas no carro, mas não para mobilidade.

– A distância entre as duas extremidades não atenderia todos os modelos de cadeira de rodas.

– Não é estética

– Se for usada fixa, obstruirá a passagem de pessoas que não necessitam dela.

– Sendo assim, só atenderia a alguns, e de maneira ineficiente. Portanto, não serve para locais públicos.

 

Destaques

 

Destaco os seguintes comentários, por entender que resumem adequadamente a situação:

 

William Dias Gomes | Nem de longe é o ideal, mas, diante da falta de acessibilidade que vivenciamos no dia a dia, se oferecer o mínimo de segurança, como, por exemplo, pinos nas ponta para evitar deslizamento, e com o auxílio de uma pessoa, acho que dá pra encarar numa eventualidade.

Paula Nascimento | Descer com Mônica [sua filha] na cadeira seria como fazer estes esportes de velocidade. E na subida empurrar ela me pareceu muito íngreme. Posso estar enganada, mas parece que “o remendo ficou pior que o rasgo”.

rzmekhol | Melhor subir as escadas de ré com três pessoas fortes ajudando. [Concordo totalmente, pois é bem menos arriscado]

renatoyama | Aparentemente essa rampa só é boa para improviso, o que sabemos não ser o ideal, e para praticidade de montagem, uso assistido, retira e guarda (pois são duas peças aparentemente leves e de fácil manuseio). Para cadeirantes ativos, não traz autonomia e tampouco segurança.

 

Ouvir as opiniões em um debate como este pode atuar com eficiência na conscientização tanto do usuário quanto do comerciante ou do órgão público, sobre a viabilidade ou não do uso.

Talvez as mesmas pessoas não se sensibilizassem só com o conhecimento das normas técnicas, ou não se renderiam ao comando da lei. É o que temos visto acontecer com frequência, e não só no Brasil.

 

Ao compreender o que é necessário para que uma rampa seja acessível, podemos vir a avaliar melhor todos os tipos de rampa. (Foto encontrada no site Mercado Livre)

Esta rampa fica em Lisboa e dá acesso à loja El Corte Inglés, a partir do Jardim Amália Rodrigues. Nós a encontramos por acaso e aprovamos a inclinação.

 

 

Colaboração dos arquitetos

 

Debate é útil, mas, com certeza, precisamos conhecer as normas técnicas. Isso, tanto para orientar na construção de uma rampa, quanto para, no caso do usuário, explicar ao proprietário ou responsável pelo estabelecimento por que a rampa construída não é adequada.

No post das redes sociais, nos comentários, três arquitetos deixaram esclarecimentos, os quais transcrevo abaixo. Os endereços virtuais desses especialistas estarão ao fim do post.

 

Silvia Arruda | Como arquiteta eu digo sempre que há solução. Depende da vontade do proprietário ou locatário. Não basta colocar rampas ou barras sem um técnico. Existem anos de estudo mundial de desenho universal e ergonomia para os usuários terem autonomia! Esta rampa é para descer cadeiras de veículos. Muito prática, pois é regulável. Não é segura nem própria para o uso da foto.

 

Inclusiva – Acessibilidade Arquitetônica e Urbanística | Para o uso que a foto representa me parece uma alternativa para ser usada por uma cadeira de rodas, então minhas respostas são:

1- Não acho útil por vários motivos, entre eles: muito íngreme e excludente pois não contempla todos os usuários;
2- Não oferece nem segurança, nem autonomia e muito menos conforto ao uso;
3- Não usaria e/ou recomendaria o uso, de forma alguma!

Como profissional não atestaria a acessibilidade desse espaço.
Para vencer a altura de um único degrau e se não houver outra forma de eliminar a barreira física, talvez pudesse ser usada em ocasiões eventuais, mas penso que antes disso todas as outras soluções devem ser descartadas.

 

adapte.acessibilidade | Rampas móveis só são permitidas por lei quando se esgotam todas as possibilidades de adaptação e em edificações históricas, por se enquadrarem nessa condição. Para serem usadas, precisam ter a angulação certa, máxima de 8,33% ou de 12,5% (caso o desnível seja de no máximo 20cm de altura), o que na imagem mostra estar totalmente fora de padrão. Quando for ser usada, a rampa precisa ser em peça única, com no mínimo 90cm de largura, o que também está fora de padrão na imagem mostrada. Ou seja, está tudo errado e irregular.

 

Nas fotos, os três arquitetos que colaboraram com esta postagem. Obrigada! A charge é de Ricardo Ferraz.

 

 

Usar ou não usar: eis a questão

 

Creio que este texto deixou clara a função de uma rampa como a mostrada na primeira foto.

Também ficou claro que ela oferece riscos, além de não permitir autonomia, mas pode ser útil em ocasiões específicas, para algumas pessoas.

Para que uma rampa de fato constitua um auxílio, e não um risco para o usuário, o ideal é contratar um arquiteto que entenda do assunto. Uma gambiarra pode entrar na categoria do “barato que sai caro”.

Por fim, espero que este post auxilie na conscientização tanto do usuário quanto do proprietário do imóvel ou responsável pelo local. E agradeço imensamente a todos que comentaram!! Fiquei realmente satisfeita com o resultado.

Até o próximo debate!

Laura Martins

 

Para saber mais

 

Silvia Arruda | Facebook / Instagram / Youtube

Inclusiva – Acessibilidade Arquitetônica e Urbanística | Arquiteta Bertha Zanatta

Adapte Acessibilidade | Arquiteto Marcelo Marinho

Norma técnica utilizada no Brasil: NBR 9050/2015 – 3ª edição

Outras normas de acessibilidade

 

 

Transcrição dos comentários

 

Camila Magalhaes Junqueira | Bem, eu definiria essa rampa como serviço alternativo ou gambiarra. Se vc tiver ela no carro e levar para todo canto pode até salvar em algum momento, melhor que carregar no colo (no meu caso o cadeirante é meu filho), como foi dito acima, para pôr a cadeira no carro TB pode ajudar. Para servir de guia para os pneus em terrenos acidentados também, agora, definitivamente ela não é adequada como rampa de acesso.

Camila Freitas Horie | Achei a ideia genial!!!! Não serviria para as cadeira elétrica [motorizada] AMIGA, mas muito boa ideia..

Raquel De Mendonça Fernandes | Acho que não é muito segura. Mas o principal é que é muito íngreme, haja força pra subir… talvez um pouco mais afastada fique melhor (não sei… opinião de uma andante 🙄)

Monica Ferreira Miranda | Para um improviso serve!

Roger Alkkantara | A distância entre as rodas é padronizada? Tem que ter braços fortes… / Cadeira Voadora | Roger Alkkantara – Não é padronizada. Um detalhe importante. 😉

Denise Siqueira | Ela pode até ter utilidade, não tem segurança e eu precisaria de ajuda de alguém para subir.

Bruno Mahfuz Oferece muita emoção. 😅 / Cida Nunes Bruno Mahfuz … prefiro montanha russa!! 😄😄😄 / Cadeira Voadora É mais seguro saltar de tirolesa, né? 🙏🙏🙏

Raquel Almeida Útil? Tem estabilidade para passar uma cadeira de rodas? A rampa não é pensada somente para os cadeirantes. Quem tem mobilidade reduzida precisa e muito da rampa. Como os idosos, gestantes, quem sofreu acidente provisoriamente. Essa rampa é descabida e perigosa para um acidente. A acessibilidade tem que ser para todos.

Bruno S Mariano Essa rampa precisa de dois furos para cada peça. É útil para guardar cadeiras pesadas no carro, mas não para mobilidade. Algumas empresas estão tentando de tudo para fugir das leis de acessibilidade.

Gustavo Barbosa Acredito não ser viável por algumas questões, não conseguiria ser utilizada de todas as maneiras que, pela acessibilidade, uma rampa deveria ser usada, não há padrão em relação a cadeira que seria usada, tamanho, distância etc, não tem especificação do peso que aguentaria, e acredito que seria mais prático uma rampa física, até porque a da imagem alem de deixar ” feio” o design da escada ainda obstrui de modo não construtivo e viável a passagem, isso sem contar o fato de que em questão de logística, uma rampa física funcionária mto melhor, e outra pergunta, essa rampa seria presa ao chão? De modo que não deslizasse durante o movimento de descida?

Vania Duarte Acho um descaso com a demanda. Atenderia apenas cadeirantes e ainda assim de maneira ineficiente. Talvez para uso pessoal seja uma alternativa.

Neander S. Andrade Vejo como um acessório, pode ajudar em alguns momentos, mas o cadeirante vai depender da ajuda de outros.

Daniela Bonini Fogaça Sarri Acho pouco segura e a distância entre as duas extremidades não atenderia todos modelos de cadeira de rodas, pois as cadeiras infantis por exemplo são bem menores

Paulo Henrique Araújo Quem me descreve a imagem? / Silvia Arruda Paulo Henrique Araújo é uma fotografia de uma escada em concreto com 3 degraus, com um corrimão. Sobre ela está um par de rampas móveis, usadas para descer cadeiras de rodas de automóveis. A cadeira de rodas está no alto da escada, vazia. / Cadeira Voadora Paulo Henrique Araújo – Complementando a descrição da Silvia, cada uma das rampas tem no máximo a largura de uma roda de cadeira motorizada. Uma rampa é paralela à outra, e a distância equivale à largura média de uma cadeira de rodas. / Silvia Arruda Cadeira Voadora obrigada! / Cadeira Voadora Silvia Arruda Eu que agradeço!!! Vou fazer uma postagem compilando todas as respostas, para que possamos ter mais facilidade de perceber necessidades e avaliações dos usuários. Muito grata por colaborar!

Roberta Lage Acho um absurdo! Uma tentativa de “facilitar” a vida de quem não quer fazer uma reforma descente! Muitas vezes é complicado mesmo atender a norma, mas há outras alternativas!

Viviane Rodrigues Ferreira Costa Só um sem noção faria isso!

Paulo Cadeirante Preciso de uma rampa dessas para colocar a cadeira no carro alguém sabe aonde consigo comprar

Clara Clarissa Santo Deus, que medo de cair!!!

Wilson Lobo Pra este local e situação totalmente inadequada. Não atende os princípios de acessibilidade autonomia, segurança e conforto

Ricardo Flávio Mendlovitz Albino junta p gente avaliar melhor por favor

Renata Kaliane Não acho legal. Esse tipo de rampa não atende às necessidades de todas as pessoas com deficiência. A rampa convencional, desde q siga as regras da ABNT é a melhor opção.

Cassia Helena Eu usaria. Creio que não é a mais segura, mas é uma opção. Não sou radical, creio que se usada com cautela pode ser uma boa alternativa.

Kassylie Kazeker Não oferece nenhuma segurança, muito íngreme, para subir deve exigir muita força, sem falar que a rodinha não pode virar que há a chance de acidentes. E para um certo padrão de distância de rodas também, não sei se há essa diferença, na verdade. Sabe onde é isso, Laura? / Cadeira Voadora Não, Kassylie… Peguei a imagem no Pinterest, e lá não havia a informação…

cintiacaroline_ como leiga em rampas e só com minha opinião de designer: achei muito perigosa! 😦 fiquei pensando que deve ser super arriscado subir nela.

ticoabc Bom dia tudo bem? Já utilizei uma parecida em um buffet. Não dá para utilizar sozinho (Cadeira manual) precisei de ajuda. Faltou testar com uma cadeira elétrica. Não é a melhor solução, mas em uma emergência é válido

katiaferraz04 Tombo previsto

mauricio.faustino A imagem demonstra improviso perigoso. A questão da autonomia e da segurança também não está sendo atendida.

livrariaalmeidaesilva Para mim bastante insegura!!

araujogena Nós temos essa rampa. Ela serve muito bem para tirar e colocar a cadeira motorizada no carro, mas por outra pessoa q não o cadeirante. Acho q para o cadeirante usar sozinho não é boa: pequena na largura, sai do lugar com facilidade, mas já nos ajudou bastante até para o cadeirante utilizar para subir pequenas rampas, mas sempre com supervisão

halliemalandis Solução meia boca, perigosa e impossível de ser utilizada pelo cadeirante de forma autônoma. Se essa moda pega, adeus rampa acessível, construída como determina a NBR 9050/2015.

marcia.bauab Coloque o idealizador para fazer teste com cadeira de rodas manual elétrica

alderico_n Seria uma saída… usaria dependendo da escada.

bah.sene Não gostei, parece perigoso e com certeza não é algo q trará independência

araujogena @marcia.bauab – concordo, não é uma rampa que fornece independência aos cadeirantes mas é muito pratica para resolver questões de dia a dia

 

#rampa #acessibilidade #arquiteturaacessível #designuniversal#CadeiraVoadora

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

2 Comments

  1. Marcos Fontoura de Oliveira

    Parabéns, Laura, pela iniciativa e pelo conteúdo da postagem. Ao terminar de ler, decidi abrir um conta no Instagran para acompanhar o “adapte.acessibilidade” (que não conhecia) e, naturalmente, o Cadeira Voadora (que já conheço e acompanho há tempos por outras mídias).

    • Marcos, grata pelo feedback! Vc sabe que valorizo muito seu parecer!

      Fico feliz por ter se decidido a abrir uma conta no Instagram. Quem sabe vc consegue dedicar um tempinho para compartilhar seu conhecimento conosco por lá? 😉

      Abraço!

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