Eu prefiro ser uma metamorfose ambulante

 

No meu quartel-general, o blog continua a ser produzido, mas agora há espaço também para um site. (Fotos: Giuliano Cretoiu)

 

Série Novo Site | Parte 1

 

Ao nascer, acho que ninguém suspeitava de que meus pais estavam trazendo ao mundo uma pessoa que iria dar trabalho. Como eles iriam imaginar que uma menininha nascida no interior de Minas, nos anos 1960, que teve uma deficiência aos 5 anos, se transformaria num vendaval?

Morando em casa com quintal, era nas bananeiras que minhas bonecas dormiam. Minha mãe inutilmente tentava explicar que elas iriam estragar. Apanhei muito para me “endireitar” e obedecer a ela, o que rendeu  traumas, mas nenhuma mudança.

Derrubei mesa sobre mim, distribuía os biscoitos recém-comprados com a criançada da rua, subia no banquinho para tirar água no filtro e fazer suco para meus irmãos (tudo por conta própria). E, para o desespero dos meus pais, tive todas as doenças que puderem imaginar. Aos cinco, como já sabem, tive uma tal de mielite transversa.

 

Quando criança, usando a órtese. Estou entre dois dos meus irmãos.

 

Bengalinhas canadenses seriam agora companhia constante, assim como órtese nas duas pernas e cinta pélvica. Na adolescência, usei até colete, que me limitou muito os movimentos.

 

Com parafernália e tudo

 

Era com essa parafernália que mesmo assim eu jogava futebol com os meninos e pulava janelas, porque achava muito sem graça passar pela porta. Sem os aparelhos, brincava com carrinho de rolimã, mas também com boneca e de fazer comidinha. Aos dez, o garoto da vizinha quis me namorar. Minha mãe não deixou, claro… Aos 12 eu fazia poemas, devorava literatura brasileira e estrangeira e ganhava dinheiro fazendo artesanato. Isso porque, como vocês também sabem, após a mudança para Belo Horizonte, nosso poder aquisitivo caiu demais. Eu não podia ficar sem meu dinheiro… rsrs

Muitas outras metamorfoses e aprontações (que não vou contar) se seguiram. Levei anos para me situar no tempo e no espaço e para me sentir em casa neste mundo. O curioso é que hoje me sinto em casa em qualquer lugar…

Contei essa história comprida para anunciar uma novidade. Eu, Laura Martins, vou me metamorfosear novamente. Ou será que vou me transformar em mim mesma?

 

Para saber mais sobre mim, clique aqui.

 

Uma cadeira que voa

 

Há oito anos criei o Cadeira Voadora, uma das decisões mais acertadas da minha vida. Ele foi produto da minha angústia diante dos desafios inúmeros enfrentados pelas pessoas com deficiência. Mas também nasceu do desejo de compartilhar experiências de viagem, a fim de que atingissem um universo maior de indivíduos, e não apenas dois ou três amigos. Seria um desperdício guardar comigo tanta informação…

A quantidade de alegrias que o blog me proporcionou nestes anos não há dinheiro que pague.

À medida que escrevia os posts, eles me ajudavam a metabolizar sentimentos difíceis, tanto os meus mesmo, quanto os que eu compartilhava com o coletivo.

O blog me trouxe amigos em todos os cantos do Brasil, e alguns do exterior, todos muito queridos.

Proporcionou o encontro com pessoas que me abriram diversas janelas, para que hoje eu pudesse ver o mundo de forma diferente. Gente sensível, gente brilhante, gente empreendedora, gente sofrida, gente amorosa, gente rancorosa, gente.

Eu era, então, uma cadeira que voava, em diversos aspectos, e não só quando viajava…

 

Esta é a primeira foto que usei no blog (no endereço antigo, Blogspot).

 

 

Nas fotos acima, alguns dos amigos que o blog tirou do virtual e trouxe pro mundo do contato físico. E alguns dos que já eram amigos e acabaram se transformando em padrinhos. Outras fotos abaixo. 😉

 

Privilégios

 

Ao conviver com pessoas de todos os tipos, pessoalmente e on-line, cresci de forma inimaginável. Tenho a felicidade — que não é para muitos — de ter entrado em contato com tantos tipos de pessoas com deficiência e de ter cometido tantas gafes com elas que posso me considerar, só por causa disso, um ser humano de muita sorte.

Sorte de poder aprender um pouco com cada um desses indivíduos.

Aprendi a ver com as mãos, a ouvir com os olhos, a andar das mais diversas maneiras, a abraçar com cuidado para não machucar, a respeitar o outro que não gosta de abraçar…

Aprendi um monte de linguagens para tentar me comunicar com crianças que não falam. A me comunicar com o olhar e a formar frases com ele. Aprendi como a beleza mora nos mais diversos modelos de ser humano.

Sorte de estar aprendendo a ser um caleidoscópio, e deter uma beleza que só adquirem aquelas pessoas que roubam um pouquinho da luz de cada alma que encontram no caminho.

Tenho certeza absoluta de que sou mais bonita hoje do que há oito anos, pois meu humano está pavimentado das pedras preciosas que trouxe de cada um desses indivíduos.

Mas qual é a novidade mesmo, Laura? Você está nos enrolando?

 

A beleza do caleidoscópio é produzida pela combinação entre formas e cores de pedrinhas. É a beleza da interação do conjunto, e não a beleza da unicidade. (Foto: Depositophotos)

 

 

Larva que se transforma em borboleta

 

Creio que um dos pontos altos na vida de qualquer ser humano é este, anotado pelo mitologista Joseph Campbell:

 

O maior privilégio da vida é ser quem você é.

 

Não vou me estender, porque esta frase rende muita reflexão. Quero apenas dizer que, há cerca de um ano, tive a percepção de que havia realizado todos os meus sonhos, e mais alguns. Eu só tinha a agradecer, ainda que estivesse sob o impacto de vários processos de adoecimento que acabaram perdurando por dois anos.

Foi então que me lembrei de que meu maior sonho ainda não estava pronto: ser quem eu sou. E expressar quem eu sou. Foi o que eu busquei a vida toda.

Comecei alguns processos para me ajudar a recomeçar esse parto. Vocês já sabem: nasci para a transformação. E era o tempo de entrar no casulo mais uma vez para dar à luz outra borboleta.

Sim, vou contar pra vocês no que deu!

 

Mais uma transformação… <3 (Foto: Suzanne Williams)

 

 

Nasce um site…

 

A inquietação gerou uma vontade imensa de fazer transformações no blog. Contratei Lívia Farnese como consultora, e com o auxílio dela fizemos algumas mudanças no Cadeira Voadora. Vocês notaram?

E então ela me propôs a criação de um site! Epa! Como assim?

“Você precisa mostrar quem é, o que faz. Você não se resume à Cadeira Voadora.”

Uau, aquilo mexeu comigo. Mexe, remexe, o site ficou pronto, e o papel dele é mostrar – para mim, em primeiro lugar – quem eu sou: minha ética, meus valores, meu trabalho como palestrante, educadora, consultora. Ele é meu resumo e minha expressão.

Agora vocês já sabem da novidade. Mas o restante da história eu conto no próximo post, amanhã, combinado? Senão este se transforma num livro!

Um grande beijo, e muito grata pela parceria, sempre!

Laura Martins

 

 

 

Nas fotos acima, mais alguns dos amigos que o blog tirou do virtual e trouxe pro mundo do contato físico. E alguns dos que já eram amigos e acabaram se transformando em padrinhos.

 

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

6 Comments

  1. Boa tarde
    Sou Renata Rubio
    Moradora de Hortolândia
    E gostaria muito de saber como faço para participar, pois pretendo montar uma salão totalmente para atender pessoas com deficiência
    Desde já agradeço pela atenção
    Deus abençoe

  2. Parabéns! Quisera eu ter essa energia e coragem!

  3. Laura, luz a gente compartilha! No olhar, no sorriso aberto… voa, cadeira, que vamos junto! Bjks

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