Será que falta cooperação no mundo?

Uma de nossas queixas no cotidiano é que falta cooperação entre as pessoas. Queremos que seja diferente, então protestamos nas mídias sociais, ficamos bravos e afirmamos que o mundo está perdido mesmo.

Mas a verdade é que a maioria de nós não conhece as razões pelas quais uma parte das pessoas não coopera e não tem empatia.

É sobre isso, e muito mais, que vamos conversar hoje. Topam?

[Escrevi este texto antes do engajamento que houve nas redes pelo #nãoaoPL6159. Por isso, deixo uma nota ao final, já que preferi não alterar o conteúdo.]

 

Augusto de Franco vai nos auxiliar a compreender melhor as questões relacionadas à cooperação

 

Por que uns vão pra frente e outros não?

 

Por que determinadas comunidades ou grupos florescem e outros não? Augusto de Franco, consultor, escritor e palestrante, começou a investigar o assunto e descobriu explicações instigantes sobre os laços invisíveis que nos conectam uns aos outros.

Decidi compartilhar com vocês uma pequena palestra dele no TEDx São Paulo (abaixo) porque uma das preocupações de parte do segmento das pessoas com deficiência é que, no Brasil, progredimos pouco no que se refere aos nossos direitos. E uma das explicações que tem sido dada para esse fato é que “as pessoas” não se envolvem, não procuram saber o que está acontecendo, não se unem…

Nesta fala, o palestrante vai mostrar algo fundamental para pensarmos essas questões. Ele afirma que, COM AS MESMAS PESSOAS, podemos ter três sociedades diferentes, ou três organizações diferentes, com comportamentos diferentes.

Bem, então não são as pessoas que estão atrapalhando?

 

Augusto de Franco no TEDxSP em 2009. (foto: Ale/TEDxSP).

 

Difícil de aceitar?

 

Ouvindo Augusto explicar a teoria, vocês verão que ela pode até ser fácil de entender, mas talvez difícil de aceitar, por causa de nossas crenças mais que consolidadas.

Afinal, fomos educados para acreditar que o importante para o sucesso – seja individual, das organizações ou do mundo – é o que está dentro de nossas cabeças, ou seja, as informações que possuímos.

Assim é que começamos a querer enfiar conteúdos e crenças (as nossas, claro!) nas cabeças dos outros, achando que dessa forma algo vai mudar. E estamos convictos, quando algo não vai pra frente, de que isso ocorre porque uma parte das pessoas se recusa a aderir. É ou não é?

Somos doutrinadores, colonizadores da cabeça do outro, estejamos nós na política, na igreja ou no grupo de ativistas.

Mas parece que não é bem assim que conseguimos que os grupos funcionem, e é exatamente por isso que tantos de nós têm se frustrado ao trabalhar com pessoas em busca de um objetivo comum.

 

Você não está sendo filmado

 

No meu modo de ver, muitos grupos não têm tido o sucesso que esperavam porque não observam a realidade dos fatos, que vem sendo negada sistematicamente. Por exemplo, em lugar de admitirem que uma situação é de determinada forma, despendem suas energias afirmando que não poderia ser assim.

Isso mostra que estão navegando nas teorias e crenças estabelecidas, e não estão ancorados nas circunstâncias.

Não temos atingido metas coletivas de inclusão, e aqui estou me referindo especificamente às pessoas com deficiência. E, mais que isso, estamos testemunhando um retrocesso em determinadas políticas para o segmento. Porém, o que muitos de nós têm feito, além de se lamentar e de protestar?

Há exceções louváveis, e alguns grupos, instituições e indivíduos têm alcançado vitórias, mas uma porção de outros parece não parar para investigar por que a situação está como está.

Quando algo vai mal com nossa saúde, procuramos o médico para pesquisar o que está acontecendo. Então: algo vai mal com algumas organizações que representam as pessoas com deficiência, mas, em vez de “procurar o médico”, estamos gastando nosso tempo procurando bodes expiatórios.

 

Este fenômeno se chama “swarming” e foi fotografado por Daniel Biber. Ele também acontece com seres humanos, e na palestra que indico vocês saberão mais a respeito

 

Por que as pessoas não se engajam?

 

Bem, uma das justificativas apresentadas para o fato de não estarmos alcançando metas é que as próprias pessoas a quem isso interessa não têm se engajado. Mas por que agem assim?

Queremos que as pessoas cooperem, mas não sabemos por que razão não fazem isso.

Segundo Augusto explica no vídeo, e vou dar spoiler, “A cooperação é um atributo do modo como os seres humanos se organizam”. Ou seja: ela surgirá, ou não, dependendo de como os grupos estão organizados e funcionando.

Ops, será, então, que a solução estará em nos organizar de modo diferente?

Parece que sim, e, de fato, bastante gente já compreendeu isso, pelo que tenho observado.

 

Na palestra, Augusto nos explica os diagramas de redes de uma forma bem didática

 

Só para provocar

 

Augusto então nos apresenta a ciência das redes, que traz formas interessantes de compreender a interação e organização de seres humanos.

A palestra dele só tem 15min, e o objetivo é fazer uma provocação, e não nos convencer. Se nos sentirmos provocados, aí começará uma nova fase, que é a busca por entender melhor como essas redes humanas funcionam.

Assistam, vale a pena!

Pode ser útil a gente se sentir incomodado com a forma como muitos grupos continuam se organizando. Quem sabe assim conseguiremos fazer diferente e alcançar novos resultados?

Há anos venho estudando e experimentando formas de fazer as coisas de um modo que funcione em nossa época. Isso faz com que me aproxime de pessoas que estão estudando como podemos construir um futuro viável neste planeta. Meu entusiasmo não tem sido em vão, porque vejo circunstâncias mudando, mas não da forma como a maioria de nós entende que deve ser.

Numa frase atribuída a Einstein, ficamos sabendo que “Loucura é fazer as coisas sempre do mesmo jeito e desejar resultados diferentes”. Pois é, assim não dá certo mesmo.

Na torcida para que essa discussão lhes seja útil, desejo-lhes uma semana de profunda conexão!

Laura Martins

 

Contra o PL 6159 | a força da cooperação

 

Há uma semana, participei de algo inédito para mim: a cooperação e articulação das pessoas com deficiência para a derrubada do Projeto de Lei 6159/2019, apresentado pelo Ministro Paulo Guedes, que representa um desmonte de direitos duramente conquistados.

Esse movimento me parece comprovar a validade da ciência das redes. Em poucas horas, as pessoas se mobilizaram em torno de uma motivação que as uniu. Um pequeno grupo, que havia percebido a grave situação, conseguiu mobilizar dezenas de pessoas, que mobilizaram centenas, e estas mobilizaram milhares.

Sem dúvida, as mídias sociais foram cruciais para que o fogo se espalhasse, mas não teriam valido muito caso o trabalho não tivesse sido bem articulado, em redes. Cada qual assumiu um papel, com autonomia para agir, e algumas decisões eram tomadas em grupo, ou em pequenos grupos. As informações e decisões eram espalhadas com uma velocidade incrível, por gente que conseguia mobilizar milhares de pessoas. Todo o trabalho foi feito em redes…

Vencemos uma batalha, pois conseguimos a promessa do presidente da Câmara de que o projeto não entrará na pauta enquanto ele estiver no cargo. Mas não vencemos a guerra, porque ele ainda não foi arquivado. Por isso, o coletivo que foi articulado permanecerá vivo e, esperamos, com muita força de atuação e cooperação. Não é ótimo?

 

TEDxSP 2009 – Palestra de Augusto de Franco

É só clicar na imagem para assistir!

 

 

 

Para saber mais:

 

Redes sociais: você pode fazer | Augusto de Franco

A estrutura sem centro: as arquiteturas de redes de Paul Baran

Breves considerações sobre o Diagrama B de Paul Baran

Buscadores e polinizadores | Augusto de Franco

Tudo que é sustentável tem o padrão de rede

 

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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