Duas cadeiras de rodas roubaram a cena em exposição de arte

Visitamos, em 29/8/2019, uma exposição curiosa, a “Dança das Cadeiras”, promovida pelo Ponteio Lar Shopping, em Belo Horizonte, shopping focado em decoração e design. Mais de 50 artistas foram convidados a customizar cadeiras, mas o que ninguém esperava é que houvesse duas cadeiras de rodas na exposição.

Isso é de tal forma representativo que certamente eu não deixaria de registrar o fato aqui no blog, não é mesmo? Vamos saber mais sobre o que motivou duas artistas a materializar essa ideia?

Post atualizado em 30/08/2020

 

A fotógrafa Lívia Bastos registrou minha presença ao lado da obra de Lorena Mascarenhas

 

Invisibilidade da pessoa com deficiência

 

Fiquei sabendo da exposição porque a ceramista Lorena Mascarenhas, um dos artistas convidados, entrou em contato comigo. Em parceria com Juarez Costa Dias, ela produziu uma instalação com o objetivo de contar sua experiência de 45 dias usando cadeira de rodas.

Tudo começou com uma fratura na perna, no tornozelo e no pé. Então, ao tentar se locomover como cadeirante pela cidade, Lorena percebeu não somente os desafios de acessibilidade, mas também a invisibilidade a que são submetidas as pessoas com deficiência.

Assim, escolheu para a obra o título “Olhe em meus olhos”, pois havia percebido, em um restaurante durante um jantar com o marido, que os outros miravam sua cadeira, e não ela.

 

“Eu quero ser vista”

 

A experiência de Lorena me fisgou, e, assim, fiquei pensando em quantas pessoas precisarão passar por situações difíceis para que o olhar da comunidade se transforme…. Quantos acidentes ainda serão necessários?

Ao mesmo tempo, me entusiasmei com a ideia que teve de mostrar essa invisibilidade de forma simbólica, usando a arte. A mensagem, segundo Lorena, é: “Eu quero ser vista. Tenho os mesmos direitos que qualquer um.”

A artista tem um hostel em uma cidade próxima a Belo Horizonte e assegura que ele agora vai ganhar um chalé acessível. Como seu olhar se transformou, ela espera ajudar a transformar outros olhares com sua obra.

Nestas fotos, de Lívia Bastos, entrevisto Lorena Mascarenhas.

Fotografei a obra de Lorena e Juarez de vários ângulos, para observarmos melhor.

 

Quem é rainha não perde a majestade

 

Na mesma exposição, encontramos a cadeira de rodas da escultora Eliz Machado Dias, que trouxe uma visão complementar à de Lorena.

Eliz também sofreu uma fratura, e seu período na cadeira de rodas se estendeu por 9 meses. Hoje, ela se locomove usando bengala, que certamente também ganharia uma customização.

Achei instigante o nome de sua obra, que é “Majestade”. Então, resolvi entrevistá-la e perguntar a respeito.

Eliz me revelou que, quando ficou sabendo que seria preciso utilizar uma cadeira de rodas, decidiu que o equipamento poderia ser um trono para uma rainha. Percebeu que não necessitaria abrir mão de sua “majestade” por estar se locomovendo de um novo modo.

 

Lorena transformou sua cadeira de rodas em um trono (Foto: Laura Martins)

Da esquerda para a direita, a escultora Eliz em sua cadeira (observe o anjo atrás); detalhes de seu marcador de páginas; sua cadeira-trono. (Fotos: Laura Martins)

 

#paracegover

Na imagem acima, há dois textos no marca-páginas da escultora Eliz, que trabalha com fundição. O primeiro, assinado por ela, diz: “A criação flui. As mãos modelam. A forma reproduz. A fundição materializa. E a arte ecoa na eternidade.” O segundo, assinado por Wieland, diz: “Então, o ferro fez-se forma. A solda colou ideias. A chama cobriu o vazio. A ferrugem coloriu o tempo. E tudo se transformou em arte.”

 

A personalidade marca a obra

 

É impossível não reparar que o porte altivo de Eliz, usando cadeira de rodas tanto quanto bengala. Certamente, é uma característica de sua personalidade que permaneceu após o acidente e foi transmitida para a obra.

Observe também que, atrás da cadeira, destaca-se um anjo com as asas projetadas. Sim, a cadeira de Eliz permite voos… Fiquei feliz por constatar que as “cadeiras voadoras” estão por aí, e também em exposições de arte…

 

A percepção da deficiência

 

Nos vídeos a seguir, Lorena e Eliz relatam sua experiência e nos transmitem sua percepção:

 

 

Outras cadeiras

 

A seguir, compartilho fotos com algumas das outras cadeiras da mostra. As que não foram tiradas por mim estão identificadas e são da fotógrafa Lívia Bastos.

Por fim, parabenizo os artistas pela produção qualificada e agradeço a Lorena Mascarenhas por ter me permitido o contato com uma exposição tão rica.

 

Na primeira foto, te mostro parte do público presente. Na segunda, de Marta Alencar, Tina Descolada me observa conversando com Eliz. A terceira e a quarta fotos são minhas e mostram algumas cadeiras da exposição.

Mais quatro cadeiras da exposição: na primeira, chita bordada com pérolas; a segunda traz fuxicos; na terceira, que adorei, o assento é de cacos de vidro; a quarta traz uma referência a festas populares e São Jorge.

 

Nota: Agradeço a Raniele Alves por ter legendado os vídeos. Isso é extremamente importante, para que o material seja acessível à comunidade surda. 

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

2 Comments

  1. Parabéns Laura Martins ! Ótima matéria, espero que que as cadeiras tenham cumprido suas funções, tentamos mostrar que a acessibilidade constitui um fator importante para o exercício da cidadania.Grande bjo.

    • Olá, Lorena! Grata pela visita e pelo comentário.
      Vcs é que merecem os parabéns. E, sim, cumpriram a função de mostrar a acessibilidade como fundamental para o exercício da cidadania.
      As cadeiras deram visibilidade para a questão da pessoa com deficiência.
      Um grande beijo!

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