Acessibilidade no patrimônio histórico: experiências bem-sucedidas

A acessibilidade no patrimônio histórico sempre fez parte dos meus interesses. Na verdade, escrevo a respeito desde 2011, quando criei o blog, e já falei sobre o assunto em palestras inúmeras vezes.

Apesar disso, sempre volto ao assunto, pois ainda há quem se pergunte por qual razão é importante que as pessoas com deficiência tenham acesso ao patrimônio. Da mesma forma, há os que duvidam de que seja possível conciliar a conservação dos locais com as obras para acessibilidade.

É disso que falaremos neste post, mostrando vários exemplos de cidades históricas pelo mundo que já receberam intervenções. Vem comigo?

 

Ouro Preto, cidade histórica brasileira fundada em 1711, é Patrimônio Mundial da Unesco e tem acessibilidade precária. Em contraposição…

Toledo, na Espanha, fundada em 192 antes de Cristo e também Patrimônio da Unesco, revela muita atenção com a acessibilidade. [Fotos pertencem ao acervo Cadeira Voadora]



Por que deve ser acessível?

 

Os locais históricos devem permitir o acesso de todas as pessoas, assim como qualquer outro lugar. Como pessoas com deficiência também são pessoas, a acessibilidade deve estar presente para garantir seu direito de ir e vir.

Parece óbvio, mas talvez não seja, já que muitos gestores continuam virando as costas quando se fala do assunto.

Mas por que o patrimônio histórico é tão importante? Afinal, ele não é simplesmente um amontoado de coisas velhas, como tanta gente pensa?

 

Carteira de identidade

 

Em primeiro lugar, o patrimônio histórico é o retrato de nossa identidade social e cultural.

Como tal, é importante conhecê-lo, a fim de compreender quem somos, guardar a memória do que vivemos e valorizar o que realizamos.

Sem dúvida, resgatar a memória significa também reduzir o risco de repetir erros.

Por essas razões, o contato com o patrimônio histórico deveria fazer parte de nossa formação educacional, e não ficar restrito a alguns, como se fosse algo cult.

 

Teoria X Prática

 

Digo “contato”, porque conhecimento teórico, obtido em salas de aula, não é suficiente. É preciso que a pessoa faça a experiência de sentir como se estivesse vivendo aquela época. Em poucas palavras: a imersão potencializa o aprendizado.

 

Gestores estão descumprindo a lei

 

Como se não bastasse tudo isso, a acessibilidade é lei. É triste pensar que os gestores estão descumprindo a Constituição, quando não garantem às pessoas com deficiência o acesso a esses locais.

Mas, como você verá neste post, já há inúmeros exemplos pelo mundo mostrando que a conservação do patrimônio pode e deve andar de mãos dadas com a acessibilidade. Vamos conferir?

 

Patrimônio histórico com acessibilidade? Onde?

 

Agora, vamos conhecer locais históricos que receberam intervenções para a acessibilidade? Se você conhece algum que não está aqui, por favor, deixe a dica nos comentários, combinado?

 

Pelourinho (Salvador, Bahia)

 

Localizado em Salvador, na Bahia, o Pelourinho é Patrimônio Cultural da Humanidade, tombado pela Unesco em 1985. A região é geograficamente desfavorável a cadeirantes, devido às ladeiras. Entretanto, isso não impediu que recebesse uma rota de acessibilidade. Você pode conferir tudo neste post, que mostra o processo para a concretização dessa meta, que a princípio parecia utópica.

Foi uma ação emblemática, porque rompeu com o mito de que a promoção da acessibilidade é incompatível com a manutenção do patrimônio histórico.

Sem dúvida, quando os profissionais têm a competência necessária para o trabalho, o patrimônio pode ser mais acessível sem que isso afete sua autenticidade .

Na primeira foto abaixo, estou no Largo do Cruzeiro de São Francisco. Observe, em volta, uma passarela pavimentada. A seguir, vemos uma travessia, em que operários retiraram e recolocaram as pedras, a fim de diminuir a trepidação. Na foto seguinte, observamos, à esquerda, o alargamento do passeio, para que uma pessoa em cadeira de rodas tenha espaço de circulação. (Todas as fotos pertencem ao acervo Cadeira Voadora.)

 

 

Forte de Copacabana (Rio de Janeiro, Brasil)

 

Localizado no Rio de Janeiro, o Forte de Copacabana, há muitos anos, recebeu diversas obras para a acessibilidade.

Quem me contou foi a arquiteta Claudia Aguiar, responsável pelo projeto, em um comentário que deixou no antigo endereço do Cadeira Voadora, aqui. Para conferir entrevista da arquiteta no Programa Especial, da TV Brasil, clique aqui.

 

Uma passarela foi construída através do calçamento de pedra. Como você pode imaginar, TODO MUNDO circula por ela, né? Não somente cadeirantes…

 

Cidades históricas mineiras (Brasil)

 

O patrimônio histórico mineiro está muito longe de poder ser considerado acessível. Mesmo assim, algumas iniciativas merecem destaque, até como incentivo para outros locais.

 

Tiradentes

 

Neste post, te conto tudo sobre dois bons exemplos de museus com acessibilidade em Tiradentes.

O Museu da Liturgia e o de Sant’Ana roubaram meu coração pelo investimento que fizeram em acessibilidade, apesar de ambos estarem instalados em casarões históricos.

Infelizmente, não é fácil chegar até eles. E isso ocorre porque, em alguns locais, não há passeios. Em outro, o meio-fio é altíssimo. Por fim, o revestimento com pedras dificulta a circulação.

E, se você pensa que a falta de acessibilidade se deva ao fato de o calçamento ser histórico, pode descartar essa hipótese. Nos anos 1950, ele recebeu modificações, segundo está descrito em O Calçamento de Tiradentes: história, intervenções e desafios para a conservação.

Na foto, uso o elevador panorâmico do Museu de Sant’Ana, onde há também plataforma elevatória para vencer alguns degraus na entrada, assim como banheiro adaptado.

Quanto ao Museu da Liturgia, recebeu muitas intervenções. Como resultado, tem piso tátil, elevador, banheiro e bebedouros adaptados. Além disso, as placas ao lado das obras estão ao alcance visual do cadeirante.

 

Entrevista com o diretor

Foi o próprio diretor quem nos recebeu, me ajudou a descer de carro e a subir o altíssimo degrau formado pelo meio-fio. Ele nos guiou por todo o museu, mostrando conhecimento e amor imenso pelo acervo. Neste post, publicado no Instagram, você pode conferir a breve entrevista que fiz com ele!

 

 

Passeio de trem Ouro Preto – Mariana

Ouro Preto e Mariana praticamente não avançaram em acessibilidade, mas vale a pena falar do passeio de trem que liga as duas cidades. Afinal, é um programa agradável, com belas paisagens e atrações históricas pelo trajeto.

Infelizmente, o vagão panorâmico (com imensas janelas) não tem acesso para cadeirantes. Na verdade, seria possível vencer os degraus com auxílio de rampa móvel, mas a entrada é estreita demais. Então, a cadeira de rodas não passa.

Porém, um dos outros vagões recebeu adaptações para o uso de cadeirantes e tem banheiro adequado. Neste post, contei tudo sobre o passeio, até mesmo o lado do trem que oferece a melhor vista.

 

 

Portugal

 

Em Portugal, encontramos locais que receberam itens de acessibilidade. Por exemplo, na cidade do Porto, assim como em Sintra, Queluz e Lisboa , como é o caso do Mosteiro dos Jerônimos, abaixo. (Clique nas palavras azuis para saber mais)

 

 

Chile

 

Encontrei acessibilidade para cadeirantes em Viña del Mar, apesar de ter passado poucas horas lá. Cito o belo Museu de Artes Decorativas Palácio Rioja onde todos, e não só cadeirantes, entram pela lateral, que tem rampa. Além disso, tem elevador e banheiro com adaptações.

 

Europa

 

Em Annecy, cidade francesa que fica na fronteira com a Suíça, encontrei acessibilidade parcial em um museu que fica num castelo medieval. Isso foi em 2008! No castelo de Chenonceau, na França, pude conhecer os jardins, assim como várias dependências. Além disso, encontrei banheiro excelente na casa de chá, que fica num dos jardins.

Fiz intercâmbio em Newcastle upon Tyne, que é cidade medieval, mas as ruas da parte histórica estavam impecáveis. E, para minha alegria, pude visitar o castelo que dá nome à cidade, pois tem elevador panorâmico e banheiro adaptado.

 

Annecy é histórica, mas o castelo medieval já tinha itens de acessibilidade em 2008.

Estou com o Guile no Castelo de Chennonceau, que visitamos em 2008.

 

Até o Coliseu investiu em acessibilidade

 

Até agora, falei de locais que conheço, mas agora cito um que ainda não visitei.

Falo do Coliseu, o famoso anfiteatro que fica no centro da cidade de Roma, cuja construção data de 80 d.C. Isso mesmo, você não leu errado, reformas para a acessibilidade aconteceram num local construído no ano 80 da nossa era!

No site oficial, há informações detalhadas sobre a acessibilidade. Ela inclui elevadores, rampas e smartphones para aluguel com tour orientado por intérprete virtual de língua de sinais.

Além disso, você pode ler sobre a acessibilidade em Roma no post do Eduardo Câmara, do blog Mão na Roda, assim como no de Alessandro Fernandes, do Blog do Cadeirante. Os dois são cadeirantes e compartilharam excelentes dicas.

 

Alessandro é cadeirante e está com Gi, sua esposa, em frente ao Coliseu. (Foto publicada com autorização)

 

Direito ao patrimônio histórico

 

Acredito que esses sejam exemplos mais que suficientes para afirmar que é possível e viável levar acessibilidade ao patrimônio histórico.

Precisamos ter em mente que, se as condições de circulação não oferecem autonomia e segurança à pessoa com deficiência, representam uma barreira ao seu direito de ir e vir e ao direto à cidade.

Evidentemente, isso nada mais é que um desrespeito não somente à pessoa mas também às leis vigentes.

 

Acessibilidade não é caridade

 

Muitos ainda enxergam a acessibilidade como “concessão” ou “ato caritativo”, mas ela é fundamental e, por isso, um direito assegurado pela legislação.

É necessário que nós, pessoas com deficiência, ousemos sair da invisibilidade para “invadir” os espaços históricos. Assim, pressionaremos para que a lei seja cumprida, por mais desafiadora que seja a empreitada.

Termino aqui, incentivando você não somente a desbravar essas e outras cidades, mas também pedindo que deixe sua opinião sobre o assunto, assim como dicas de locais históricos que conhece!

Beijo,

Laura

Para saber mais

 

Artigos e dissertações:

 

Post e vídeo:

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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