O tampão ocular da Letícia

 

Esta criança encantadora, usando um tampão com um gatinho, é a Letícia, filha da Flavinha (Foto: acervo de Flavinha Araújo)

 

Por Laura Martins

 

Não é algo simples colocar um tampão no olho de uma criança, principalmente porque é o olho “bom” (ou dominante) que ficará coberto.

Isso pode provocar insegurança, irritabilidade, quedas, tropeções. Além disso, há a questão estética: o pequeno começará a chamar atenção pela diferença, o que poderá até mesmo gerar bullying.

E mais: dependendo do tipo de tampão, ele pode causar desconforto, como o aquecimento do rosto ou alergias.

 

Experiência pessoal

 

Foi esta foto da Letícia no colo da Flávia que vi há alguns meses (Foto: acervo de Flavinha Araújo)

Quando criança, fiquei dois anos com uma das lentes dos óculos coberta com cartolina, porque eu tinha ambliopia (o olho mais fraco para de se desenvolver e participa muito pouco da visão). Na época (40 anos atrás), a cartolina nos pareceu o jeito menos traumático, porque usar gaze e esparadrapo no rosto me causava alergia, além de aquecer demais a pele.

Foi por causa dessa experiência que uma foto no Facebook me atraiu tanto, há alguns meses.

Era da Letícia, uma criança fofa, alegre, filha da querida Flavinha. A garota precisaria usar um tampão, e a mamãe antenada achou um jeito de fazer isso de uma forma menos traumática. Ficou divertido e, a meu ver, mais tolerável e menos sujeito a bullying. Achei fofo demais.

 

Letícia vai à escola

 

Letícia não precisa usar o tampão o tempo todo, ao contrário do que ocorreu comigo, que usei por dois anos seguidos.

Então, ela ainda não havia ido com ele à escola. Mas, enfim, chegou o dia. Aconteceu semana passada, e novamente a foto me chamou a atenção no Facebook.

É neste ponto que passo a palavra à mamãe Flavinha, para que ela conte a você o que aconteceu.

 

“No colégio novo ainda não tinha ido de tampão. Chegando, crianças de várias idades rodearam a minha pequena e a bombardearam de perguntas sobre ele. Eu lá… no rebolado para não deixar ela desconfortável; dizendo que era o gatinho dela, tão bonitinho… quando minha filhota me interrompe e fala:

 ‘Chama tampão, eu uso um pouco e depois tiro.’

Sentimento de estar fazendo meu ‘papel’ de mãe educadora correto… Minha pequena está se mostrando grande, confiante e bem resolvida. Morri de amor. Morri de orgulho.”

 

Letícia ensina

 

Pedi à Flavinha autorização para compartilhar a história aqui no blog, para que fique registrado que Letícia, tão miúda, já está nos ensinando muito. Ensinando a encarar a realidade.

Somos nós, adultos, que tentamos colocar “panos quentes”, usando subterfúgios para falar daquilo que é diferente. Criamos “jeitos”, fazemos contorcionismos com palavras para não chamar as coisas pelo nome apropriado, não é mesmo?

Chamamos a criança com deficiência de “criança especial”. Por que não usar o nome da deficiência? Sim, eu sei: para “suavizar” a situação.

Chamamos as crianças negras de “moreninhas”. Ora, será que não sabemos o que é uma pessoa morena?

E, por fim, Flavinha chamou o tampão de “gatinho”. Que bom: foi logo corrigida pela própria usuária…

Esse tipo de situação sempre me lembra que, na saga do Harry Potter, ele é um dos poucos que têm coragem de chamar Lord Voldemort pelo nome. Os outros dizem Você sabe quem. O que isso revela?

 

Atualmente, há muitos tipos de tampão no mercado. Este eu encontrei no site Elo 7.

 

Chame pelo nome

 

Obrigada, Letícia, por nos lembrar de que precisamos chamar as coisas pelo nome, para exorcizar o medo, o preconceito, a discriminação. Obrigada, Flavinha, por me permitir contar essa história!

 

Para saber mais:

 

Tampão ocular: como escolher o mais adequado?

Tampão ocular, algo além do blá- blá- blá [Parte 2]

Todos os bebês têm estrabismo?

 

Quanto antes a mamãe e o papai descobrirem que a criança tem estrabismo, melhores as chances de tratar. Fonte da imagem: site Medicina: mitos e verdades.

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

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