Na terça-feira, dia 29, publiquei um vídeo contando que o Sesc Palladium não queria me deixar entrar para assistir ao projeto Sempre um Papo, que aconteceria no Grande Teatro, alegando que os ingressos para cadeirantes (correspondentes aos espaços para cadeira de rodas) haviam acabado.
Neste post, faço um resumo da situação e repasso algumas informações para que possamos evitar problemas em situações similares, assim como nos munir de provas caso aconteça algo e precisemos abrir um processo.
O que foi que aconteceu?
Marta Alencar e eu saímos debaixo de uma tempestade, na terça, 29/10, para assistir ao Sempre um Papo com Monja Coen e Mario Sergio Cortella. O ingresso seria obtido no local, duas horas antes, trocando-o por 1kg de alimento não perecível.
Porém, a alegação da bilheteria foi que os ingressos para cadeirantes já haviam acabado. Sabíamos que a informação não poderia ser verdadeira, porque, apesar de só faltar uma hora para o início do evento, só era possível ver uma cadeirante por lá, além de mim. Além disso, a informação afixada dizia que há 19 espaços para cadeira de rodas. Abaixo, no print que fiz hoje do site da instituição, isso está claro. Veja:
#paracegover | No print da tela do computador, obtido a partir do site do Sesc Palladium, lê-se, entre outras coisas, que o teatro comporta 1.131 pessoas, segundo as normas de conforto e acessibilidade, sendo 14 cadeiras para obesos, 19 espaços para cadeirantes, 66 para idosos, gestantes, lactantes, pessoas com criança de colo e pessoas com mobilidade reduzida.
Acabamos conseguindo entrar, cerca de meia hora depois, após conversar com algumas pessoas. Então, por que fiz a denúncia nas mídias sociais e procurei auxílio de advogados?
Nossos direitos são sagrados
Denunciei o fato e marquei os amigos advogados porque fiquei indignada. Se não fosse o fato de sabermos o número de ingressos disponíveis, teríamos retornado para casa frustradas por não termos conseguido entrar. E pensamos: quantos cadeirantes podem ter comparecido, apesar da tempestade, e retornado para casa sem conseguir entrar? E quantas vezes isso acontece todos os dias no nosso país? Comigo, já havia acontecido uma vez, mas, na época, eu não tinha desconfiado de nada.
Gente, de fato, o mais importante para mim, ao fazer a denúncia, era encontrar um meio de alertar vocês para o fato. Realmente, alguns cadeirantes deixaram comentários dizendo que já tinham passado por isso ou que a situação deve estar acontecendo em diversos lugares do país, sem que os cadeirantes desconfiem de que os ingressos estão sendo omitidos.
Então, muito mais que processar o teatro, o mais importante, para mim, é disseminar informações. São as melhores sementes que podemos oferecer a vocês, eu e os advogados consultados.
Orientações dos advogados
Três amigos advogados entraram em contato para orientar sobre como agir num caso desses.
♣ Hebron Reis Dias colocou seu escritório de advocacia à disposição. Portanto, temos mais um profissional do direito para nos assessorar em nossas dúvidas! Ele quer produzir uma cartilha sobre este caso para nos auxiliar.
♣ Thiago Helton, que é advogado e cadeirante, também entrou em contato, me passou informações e se colocou à disposição para gravar uma live sobre o assunto, a fim de orientar outros cadeirantes. Na mão não iremos ficar. Mas neste post já adianto algumas orientações, até que possamos nos encontrar para fazer o vídeo.
♦ Meire Elem Galvão, advogada e cadeirante, orientou sobre a possibilidade de fazer uma reclamação formal (por escrito, com protocolo ou cópia assinada) à instituição violadora do direito para saber o que aconteceu e como é feito o procedimento de disponibilidade dos ingressos para cadeirantes.
Hébron, Thiago e Meire, muito obrigada. A única forma de a gente não ser triturado pela máquina excludente é trabalhar em equipe. Se somos diversos, somos ricos, pois cada qual oferece seu talento pelo bem da comunidade.
Tomem nota!
Agora vou compartilhar com vocês as orientações que Thiago Helton me passou, ele que já cuidou de alguns casos de pessoas com deficiência desrespeitadas em seus direitos nos espaços culturais. São condutas das quais eu não estava ciente, mas agora ficarei alerta! E também colocarei aqui a orientação da Meire Elem.
♦ Se alguém falou que não há mais ingressos, ou passou qualquer outra informação incongruente ou prejudicial a vocês, redijam rapidamente um documento e peçam para a pessoa assinar e colocar o número do documento de identidade. Assim, caso precisem processar o estabelecimento, já haverá provas.
♦ Peçam a pelo menos duas pessoas para atuarem como testemunhas e anotem os dados delas.
♦ Se for um caso como o meu, fotografem os espaços para cadeirantes que estão vazios. Porém, tomem essa medida em qualquer caso em que for possível fazer provas fotográficas.
De posse desses documentos, já é possível procurar um advogado e dar entrada em um processo, que pode inclusive pedir reparação se houver dano moral.
E, lembrando a orientação da Meire Elem, podemos fazer uma reclamação formal (por escrito, com protocolo ou cópia assinada) à instituição violadora do direito para saber o que aconteceu e como é feito o procedimento de disponibilidade dos ingressos para cadeirantes. Pode ser que a situação seja resolvida apenas com alterações nos procedimentos ou treinamento dos funcionários.
Vamos explicar tudo com detalhes na live, tá? E na cartilha também. Mas isso já é suficiente para fazer valer seus direitos em qualquer lugar.
Responsabilidade de quem?
Vivemos em um país imaturo para as práticas inclusivas, por isso, infelizmente, temos de ficar atentos para não sermos passados para trás.
São tantas as situações de desrespeito, que acabamos tendo de escolher qual batalha lutar. Afinal, se formos procurar advogados ou os órgãos competentes em cada uma dessas situações, não faremos mais nada na vida.
Por outro lado, se não protestarmos, pelo menos no próprio local, para que os direitos sejam respeitados, então não poderemos reclamar depois. Veja bem: protestar não é brigar. O ideal é, calmamente, mostrar que conhecemos nossos direitos e que não iremos abrir mão deles. Se for necessário, brigaremos, mas pode não ser.
A maioria das pessoas com deficiência cai numa destas situações: ou desconhece os direitos, e portanto fica no prejuízo; ou não exige seu cumprimento, por timidez ou porque acha que o outro estará fazendo um favor; ou exige que sejam tomadas medidas que, na verdade, não são direitos nossos, e isso acaba queimando nosso filme. Por exemplo, no caso de exigir meia-entrada, quando não tem direito a ela.
Por isso, mais uma vez incentivo: conheçam seus direitos. E não abram mão deles!
Sempre juntos,
Laura Martins
Para saber mais:
Todos os posts sobre direitos da pessoa com deficiência no Cadeira Voadora, entre os quais o direito à meia-entrada, redigido pela advogada Meire Elem Galvão.