Acessibilidade em Tiradentes | Parte 1

Contei pra vocês, aqui, que Marta Alencar e eu pegamos estrada no fim de setembro [2019] para ver até que ponto a acessibilidade em Tiradentes havia avançado.

Na ocasião, falei sobre nossa dificuldade para conseguir hospedagem acessível e indiquei uma pousada. Hoje, vou falar sobre como transitar pela cidade e indicar alguns lugares onde cadeirantes têm como entrar. Vamos comigo?

Obs.: Todas as fotos pertencem ao meu acervo e podem ser utilizadas apenas com autorização.

 

O calçamento das ruas de Tiradentes não é simples para cadeirantes. Na foto de Marta Alencar, estou no Largo das Forras)

 

Aqui, a gente lembra que tem deficiência…

 

Tiradentes é encantadora. Aqui, a Matriz de Santo Antônio pelas lentes de César Reis. (Foto publicada com autorização do autor)

Vamos combinar: em uma cidade acessível, a gente nem lembra que tem deficiência. Aliás, em uma cidade assim, a gente não tem deficiência.

Mas tudo muda quando chegamos a um lugar que não é acolhedor com as pessoas e valoriza mais a história, a identidade e a aparência.

Antes de prosseguir, preciso ressaltar que não tenho nada contra preservação histórica, muito pelo contrário.

Entretanto, tenho muita coisa contra tirar o foco do ser humano. Isso, porque ele é mais importante que calçadas, edifícios e tudo o mais, e deve ser levado em conta em todas as situações, afinal cidades são feitas para pessoas, e não o contrário.

A cidade precisa ser boa para todos, se não por amor às pessoas, pelo menos por inteligência. Como vai sobreviver um lugar cuja força econômica está no turismo se não levar em conta que em poucos anos a maior parte da população será de idosos e de pessoas com deficiência?

Além disso, em cidades históricas, a acessibilidade pode ser feita sem que a identidade sofra, como já mostrei em outros posts. Confira aqui.

 

Cidades são feitas para pessoas, e não o contrário.

 

Tinha uma pedra no meio do caminho

 

O grande elemento dificultador da acessibilidade em Tiradentes talvez seja o calçamento das ruas. Afinal, as pedras tornam a circulação desafiadora não somente para pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, mas até mesmo para os veículos.

Mas vou te contar um “segredo”: o calçamento de pedras, tão característico de Tiradentes, não é original.

Na verdade, ele foi modificado nos anos 1950, e de forma equivocada, segundo consta em O Calçamento de Tiradentes: história, intervenções e desafios para a conservação, trabalho apresentado no V Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação, em Belo Horizonte, no mês de outubro de 2017.

Assim, como não se trata de revestimento com valor histórico, temos um obstáculo a menos para que mudanças com vistas à acessibilidade possam ser realizadas, com planejamento e conhecimento de causa.

 

A roda Freewheel foi eficiente na maioria dos calçamentos, mas não deu conta da rua do Museu de Sant’Ana. (Foto: Marta Alencar)

Morro, calçamento detonado e chuva foram demais para mim… Um motociclista solidário parou para me ajudar. (Foto: Marta Alencar)

 

Como circular em Tiradentes?

 

Em primeiro lugar, é importante ter em mente que o revestimento das ruas é realmente desafiador. Como se não bastassem as pedras, elas ainda sofreram deslocamentos em virtude de chuva e enxurrada. O resultado é um piso ainda mais irregular, com água empoçada quando chove.

Em segundo lugar, pedestres acabam tendo que utilizar as ruas, porque, de modo geral, não há passeios. Quando existem, parecem não seguir nenhuma norma: são irregulares em largura, altura e revestimento.

 

O revestimento das ruas e dos passeios é desanimador (Foto de Laura Martins)

É possível visitar a cidade, mesmo tendo deficiência física?

 

Em minha opinião, é possível sim, e acredito mesmo que isso deve ser feito por inúmeras razões: é um lugar belíssimo, as pessoas são muito agradáveis e nossa presença não deixa de ser uma pressão por acessibilidade. Afinal, estaremos visíveis – e “incomodando” bastante. Eba!

Mas não dá para ficar andando “a pé”, embora os deslocamentos possam ser facilitados com a roda Freewheel, e talvez com equipamentos do tipo Firefly ou Kit Livre.

Com scooter ou com cadeira motorizada, talvez possa ser desconfortável por causa da trepidação – e talvez inviável nos lugares em que for necessária ajuda para subir meio-fio ou transpor degraus.

No mais, o ideal é passear de carro, estacionar e visitar o local almejado, ou alguém nos deixar no local e sair para estacionar o carro.

 

Roteiro acessível em Tiradentes

 

Em três dias, conseguimos conhecer muitos lugares, que vou mencionar aqui. A acessibilidade deles é parcial, melhor em alguns, pior em outros. Mesmo assim, vocês verão que as visitas são viáveis e que valerá a pena!

Vou dividir as indicações em dois grupos: onde comer e onde passear.

Neste post, registrarei os lugares onde almoçamos e tomamos lanche e algumas informações sobre o centro histórico; no próximo (Parte 2), falarei de outros passeios possíveis.

Dividir o post em dois é necessário, porque do contrário ficaria grande demais e, consequentemente, difícil de localizar informações. Vamos em frente?

 

Onde comer com acessibilidade

 

Sapore d’Itália | Largo das Forras

Em nossas voltas pela cidade, este foi um dos poucos lugares que encontramos que tinha alguma acessibilidade.

Porém, não foi simples estacionar por perto, embora haja até vaga reservada para cadeirantes no Largo das Forras. Se optarmos por parar nela, será preciso andar alguns metros até o restaurante.

Tem mesas externas e internas, e a entrada não tem degrau. Também tem banheiro com porta larga e algumas adaptações, mas infelizmente o vaso sanitário tem aquela perigosa abertura frontal., que, aliás, é proibida pela norma técnica.

O atendimento foi excelente nas duas vezes em que estivemos lá, e a comida estava muito boa.

 

Jane’s Apple Factory | Cafeteria e bistrô

Trata-se de uma cafeteria aconchegante, cuja especialidade é maçã caramelizada, mas também tem lanches, cafés e bebidas. Tem entrada plana e banheiro com algumas adaptações.

Para terem uma ideia do excelente atendimento, o rapaz foi até o carro me buscar, debaixo de chuva…

Infelizmente, não é fácil estacionar na região.

 

#DicadaCadeiraVoadora

Em Tiradentes, é difícil estacionar, porém encontramos duas vagas reservadas para cadeirantes no Largo das Forras, mais especificamente na Rua Ministro Gabriel Passos. Se não estou enganada, em frente ao Bar do Zé.

Por causa dessa dificuldade, se quiser reduzir as chances de aborrecimentos, sugiro que visite a cidade fora da época dos festivais ou de algum outro evento que atraia muita gente.

Se você decidir visitar nos períodos em que há mais turistas, talvez seja melhor optar por táxi.

 

Marta e eu no Sapore buscando repor as energias para passear pela cidade

 

Se chover, não beba!

 

Dos três dias que passamos em Tiradentes, dois foram chuvosos, mas não iríamos desanimar por causa disso. De qualquer modo, é necessário que cada um avalie suas condições, até para não pegar um resfriado bravo.

Mas como fizemos para sobreviver? Vou te dar umas dicas!

♥ Como Marta também dirige, algumas vezes ela me deixou na porta do local e saiu para estacionar o carro, principalmente quando a chuva estava forte.

♥ Em todos os lugares aonde fomos, Marta desceu antes de mim para pedir ajuda. Sempre fomos auxiliadas com boa vontade e simpatia: um segurava a sombrinha, outro montava a cadeira de rodas, e por aí vai.

♥ Se proteja da chuva com um casaco impermeável ou capa de chuva. Como sei que vão perguntar =D, já adianto que a minha é da Equal, feita pela Silvana Louro. Achei bastante eficiente – além de ser super bonita. E você notou que a casa ao fundo, na foto, tem portas da cor da capa? Ahhhh, isso foi uma “coincidência” que tratamos de aproveitar!

♥ Use luva de couro para que suas mãos não escorreguem ao tocar a cadeira, ou então use proteção de silicone nos aros.

♥ Gente, nem precisa falar, mas vou fazer isso assim mesmo: se beber, não dirija a cadeira de rodas. Há risco de queda, de verdade. Leve em consideração que tudo “colabora” para a gente cair: o calçamento de pedras escorregadias, os meios-fios irregulares e por aí vai.

 

Foi uma sorte daquelas achar uma casa “combinando” com a capa de chuva! (Foto: Marta Alencar)

Tempestade no dia de visita aos museus, mas na Casa de Padre Toledo nos deram permissão para entrar na área fechada aos carros, para que eu desembarcasse.

 

Tudo vale a pena

 

Vaga reservada no Largo das Forras

Está nos versos do poeta Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Certamente, desde que você não corra riscos desnecessários.

No meu modo de ver, Tiradentes vale a pena, apesar dos desafios.

Nunca me cansarei de alertar, porém, que cada um é cada um, então é necessário VOCÊ avaliar se o passeio valerá a pena, porque ninguém viaja para ter aborrecimentos, né? Eles são parte da experiência de qualquer pessoa, desde que sejam situação de exceção, e não regra.

No próximo post, vou falar dos passeios que fizemos, incluindo nossa visita ao povoado do Bichinho.

Um beijo histórico,

Laura Martins

 

 

Uma das atrações de Tiradentes é a maria-fumaça. Foto de César Reis (publicada com autorização do autor)

Para saber mais:

 

Pousada acessível em Tiradentes | Post Cadeira Voadora

Tiradentes | Viagem e Turismo

Tiradentes | Guia completo

Portal Tiradentes.net

A luta pela acessibilidade nas cidades históricas

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

7 Comments

  1. Pingback: Pousada acessível em Tiradentes, MG - Cadeira Voadora

  2. Márcia Bittencourt

    Laura, amei ler seu post sobre Tiradentes! Que desafio viver em ambientes onde não se pensa em acessibilidade. Meus pais são idosos e sempre viajamos. Minas muito nos encanta, mas que dificuldade é me deslocar com mais duas pessoas que precisam de mim. Coisas simples se tornam preocupantes, como o simples fato se estacionar próximo a um restaurante ou museu. Questiono sempre! Parabéns por sua iniciativa. Você é necessária!!!!!

    • Olá, Márcia, seja bem-vinda!
      Vc foi cirúrgica: é, de fato, um imenso desafio viver em locais onde não se cogita a realização de ações com vistas à acessibilidade. E aqui para nós: muitas dessas ações são tão simples!…
      Agradeço seu comentário e torço muito para que, num futuro próximo, vc tenha condições de passear com seus pais sem tantas preocupações, apenas curtindo a presença deles.
      Um grande beijo!

  3. Laura? Amei seu artigo! O César Reis, fotógrafo que cedeu as lindas imagens, trabalha comigo na cidade vizinha de São João del-Rei (diga-se de passagem, vale a pena uma visita também, viu?!)… Realmente, é necessária a implantação de acessibilidade em Tiradentes e nas demais cidades históricas do Brasil, que é um patrimônio de todos, sem distinção. Parabéns e faça muitas outras viagens maravilhosas!

    • Olá, Roberta, seja muito bem-vinda!

      Conheci o César no simpósio em Tiradentes, e ele é muito gentil, além de excelente fotógrafo. Que bom que trabalham juntos!

      Quanto a São João del-Rei, fiquei uma semana na cidade, em uma agradável pousada, mas foi há mais de 30 anos. Então, acho que nem posso dizer que conheço, né?… rsrs

      Terei que ir novamente!

      Grande abraço!!

  4. Maria Helena Fernandes Fagundes

    A arquiteta e urbanista Mônica, que trabalha com acessibilidade nas cidades históricas mineiras, esteve lá também no final do mês para falar sobre essas questões, que realmente são muito necessárias, conheço ela e é uma excelente pessoa, bom coração e que muito se preocupa com o tema. Vi pelo Facebook, não sei se você participou também. Um abraço para você e parabéns pelo seu artigo, você escreve muito bem, quase um desabafo. Sigo seu site e seu trabalho é muito bacana no âmbito do turismo acessível. Sucesso. Beijos e Deus abençoe.

    • Olá, Maria Helena, tudo bem?

      Obrigada pelo comentário. Ele acabou por me lembrar que não fiz post sobre o evento que menciona, ocorrido em Tiradentes. Somente o anunciei, em meu post sobre acessibilidade nas cidades históricas, mas ainda está em tempo. Aliás, sempre é tempo!

      Estive lá sim, e assisti às intervenções de todos os presentes, inclusive da arquiteta Mônica. Foram muito elucidativas.

      Agradeço pelos elogios e pelo apoio! Um grande abraço!

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