Sapato inclusivo | Como conseguir o que você precisa

Se você tem deficiência de mobilidade, talvez precise de um sapato inclusivo, que atenda às suas particularidades.

Então, vem comigo! Neste post, vou falar sobre onde encontrar ou encomendar, e como personalizar. Além disso, mostrarei que a indústria de calçados está perdendo dinheiro por não te atender.

 

Os tênis atendem bem vários tipos de público (Foto: calçados Santa Lolla)

Por que falar deste assunto?

 

Para começar, pessoas com deficiência de mobilidade, cadeirantes ou não, têm características anatômicas ou de sensibilidade que podem dificultar ou até inviabilizar o uso de boa parte dos calçados. Você sabia disso?

Neste ponto, alguém poderia me dizer: “Então, por que essas pessoas não usam um sapato comprado em oficina ortopédica?”

Nos últimos anos, felizmente, temos visto aparecer lojas que oferecem sapatos mais confortáveis com informação de moda, como a Usaflex. Porém, no segmento dos ortopédicos, a maioria dos modelos ainda lembra as feias botinhas que usávamos há algumas décadas.

Porém, não é porque temos uma deficiência que não temos o direito de usar calçados bonitos, estilosos, sensuais ou com informação de moda. Certamente, calçado não serve só para proteger os pés, assim como comida não serve só para matar a fome.

Trata-se de uma peça que pode expressar nossos valores e identidade, produzir prazer e satisfação e até gerar conforto emocional.

Por isso, não é suficiente que atenda a necessidades ortopédicas. Como dizem os Titãs, “a gente quer inteiro, e não pela metade“. A gente quer sapato inclusivo!

 

 

 

O que diz o público-alvo?

 

No final de 2020, propus uma enquete no Instagram, para estimular a discussão do assunto. Além disso, também tinha o propósito de conhecer melhor as demandas do segmento no que se referia a calçado.

Fotografei a sandália que eu iria usar na comemoração de fim de ano e perguntei se ela era adequada para uma pessoa em cadeira de rodas.

As respostas me surpreenderam, por constatar que cerca de metade das pessoas não tinha ciência de que indivíduos com deficiência de membros inferiores têm características específicas, que precisam ser atendidas. Aliás, observei que até mesmo cadeirantes desconhecem essa necessidade. Para acompanhar a discussão, veja, abaixo, os prints de tela. Para conferir tudo, basta ir até o Instagram @cadeiravoadora e procurar pelo Destaque Moda Inclusiva.

 

 

 

Confira as respostas!

 

Na enquete, houve leitores que responderam usando frases como “Você é livre para usar o calçado que quiser” ou “Cada pé com sua necessidade; não dá para generalizar” (confira acima, nos prints de tela)

De fato, gostaria muito de ser livre para usar o que quiser, mas, infelizmente, não é bem assim que acontece. E, é verdade, cada pé tem mesmo uma necessidade. Porém, é possível generalizar, no que diz respeito a alguns itens.

Continue comigo, pois vou explicar melhor.

 

 

⇒Não se pode generalizar?

 

Sem prestar atenção nas características gerais, não é possível haver produção para mercado. Nesse caso, seria necessário que cada sapato fosse feito sob demanda e sob medida, não é mesmo?

Mas o que queremos é encontrar, pelo menos nas grandes lojas, calçados que atendam a um público que não seja equilibrista do Cirque du Soleil! (Momento relax… rs)

 

Faith Dickey usa saltos de 15cm para cruzar montanhas nos EUA. Se tiver coragem de assistir ao vídeo, está aqui… rs

 

Na verdade, estamos em busca de uma moda com acessibilidade e inclusiva, e não de algo exclusivo, a não ser em casos de exceção.

Um sapato inclusivo precisa ser confortável, seguro e deve permitir o máximo possível de independência ao usuário. Por exemplo, o solado precisa ser antiderrapante, a fivela não pode machucar e o salto não pode ser muito alto. Além disso, é preciso que a pessoa possa calçá-lo sozinha, tanto quanto possível. Como se pode perceber, essa não deixa de ser uma forma de generalização…

Mas quais seriam as especificidades desse público, e por que é difícil encontrar no mercado sapatos que o atendam?

 

⇒Livres para usar o que quisermos?

 

Pessoas com deficiência de mobilidade apresentam algumas peculiaridades, como as que relaciono a seguir. Como o mercado, de modo geral, não atende ao público fora dos padrões, a verdade é que não somos tão livres assim para usar o que quisermos.

Confira os itens abaixo e me diga se é fácil encontrar produtos que nos atendam…

  1. Muitos adultos com deficiência usam numeração somente encontrada nos modelos infantis.
  2. Alguns têm pés de tamanhos diferentes, ou pernas de alturas diferentes.
  3. É comum ver mulheres cadeirantes em busca de sapato que não se solte dos pés quando elas fazem transferência ou precisam ser carregadas… Afinal, eles podem cair em razão da falta de força muscular para sustentá-los.
  4. Em cadeirantes e muletantes, são comuns os edemas, o que inviabiliza o uso de vários modelos.
  5. Saltos podem ser muito desconfortáveis para quem não perdeu a sensibilidade, principalmente se a pessoa tiver flacidez muscular e não conseguir manter a posição dos pés. Então, podem causar dor, espasmos e até deformidades.
  6. Com relação às crianças, é bom ter a sensibilidade de oferecer a elas um calçado que possam colocar e tirar na hora em que quiserem, afinal sapato também é brinquedo, né?

Evidentemente, minha intenção não é prescrever o tipo de calçado que você deve usar, mas simplesmente trazer o assunto à discussão, para que o mercado compreenda as peculiaridades deste segmento.

Decidir o que usar é algo que cabe a cada um. Porém, é preciso lembrar que a acessibilidade deve estar presente em todos os itens do mercado, inclusive nos calçados.

 

 

Como conseguir o calçado que você precisa

 

Certamente, não precisamos chorar um rio de lágrimas caso não encontremos o sapato inclusivo dos nossos sonhos. Afinal, há formas de, no mínimo, amenizar a situação.

Vamos, então, a algumas dicas?

 

1 – Do que você precisa?

 

Pode acreditar: não é tão simples ter clareza do que a gente precisa… Então, vamos a uma listinha básica para escolher um sapato pra chamar de seu?

  1. Você suporta salto até que altura, sem precisar pedir pra morrer? Como resultado de pés mal posicionados, você pode ter dores ou espasmos, podem surgir deformidades, ou causar espasmos e dores. Também pode fazer com que o pé escorregue do pedal da cadeira e se machuque.
  2. Seus pés e tornozelos ficam inchados? Neste caso, fique atento/a para comprar algo mais folgado e que deixe o peito do pé livre.
  3. Você tem sensibilidade? Se não tiver, tenha cuidado com fivelas, tirinhas e pedrarias, porque podem te ferir e você nem notar. Se tiver, fique atento/a para não perder o humor quando o sapato apertar…
  4. Você tem flacidez muscular? Então, que tal escolher algo que não se solte dos pés? Também pode ser adequado calcanhar fechado, para que o sapato não fique preso em algum lugar em caso de transferência. Por fim, calçados muito cavados podem não trazer firmeza.
  5. Se você usa andador, muletas ou se tem uma prótese, o calçado deve proporcionar firmeza aos seus pés, ter material resistente e ser antiderrapante.
  6. Se tiver diabetes, siga as recomendações próprias para essa condição.
  7. O ideal é que os sapatos tenham a frente arredondada para acomodar confortavelmente os dedos. Porém, se você que ter um de bico fino, uma alternativa é comprar um número maior, para que os dedinhos não fiquem esmagados. Se for necessário, use palmilha para ajustar ao seu número.
  8. Seja qual for sua condição física, evite calçados pesados e com sola escorregadia.

 

Como este sapato se soltava dos pés, mandei furar nas laterais e coloquei uma fita

 

2 – Customize!!

Não achou um sapato totalmente adequado? Você é adulto/a, mas seu número só é encontrado em loja infantil?

Certamente haverá solução para isso! Por exemplo, que tal customizar? Muitas vezes, conseguimos fazer a transformação em casa mesmo. A seguir, algumas soluções.

 

a) Sapato que se solta dos pés

Que tal “fabricar” uma tirinha? Você pode costurar uma fita e dar um laço, ou pedir ao sapateiro para furar nas laterais e colocar ilhoses. A seguir, pode colocar uma corrente bonita ou uma fita de cetim ou de organdi. Para se inspirar, confira a foto acima.

 

b) Adulto com numeração infantil

Infelizmente, adultos que calçam menos que 33 só encontram seu número em lojas para crianças. Então, acabam tendo que usar modelos que infantilizam, o que agrava a infantilização que cadeirantes já sofrem.

Se este for seu caso, tenho algumas sugestões. Primeiramente, que tal ir a lojas que oferecem modelos a partir do 33 e adquirir aquele que lhe satisfaz, apesar da numeração não ser a sua? A seguir, compre uma palmilha de espuma, corte no tamanho desejado e coloque no sapato. Assim, ela oferecerá o ajuste que você precisa, desde que sua numeração não seja muito abaixo do 33.

Em segundo lugar, uma possibilidade é adquirir o calçado infantil que mais lhe agradar e personalizá-lo para ficar com “jeito de adulto”. Para ter ideias, jogue no Google ou no Pinterest a expressão: “customização de calçados”.

Para quem tem retenção de líquidos, e por isso tem edemas no fim da tarde, ou em certos períodos, a palmilha também é uma boa ideia. Nesse caso, sugiro comprar sapato com numeração maior que a sua e usar a palmilha apenas quando estiver sem edema.

 

 

Palmilhas podem resolver muitos problemas

 

c) Solado escorregadio

Procure uma boa sapataria e peça para colarem uma borracha antiderrapante sobre a sola. Fica ótimo! Além disso, existem adesivos antiderrapantes no mercado. Por exemplo, este aqui.

 

3 – Encomende um sapato sob medida

Felizmente, hoje em dia é mais fácil conseguir pessoas que se dedicam a produzir sapatos sob medida, por um preço similar ao das boas marcas do mercado. No Para Saber Mais, deixarei os endereços que os leitores indicaram.

 

Recado aos empresários

 

Talvez a dificuldade de encontrar sapato inclusivo no mercado se deva ao fato de as empresas ainda não terem descoberto este nicho. Por outro lado, as que já descobriram precisam investir em divulgação, porque não temos bola de cristal, não é mesmo?

No site do Sebrae, encontramos esta importante dica para o empresário do ramo de calçados:

 

“Investir nesse nicho de mercado [calçados inclusivos] pode ser uma excelente oportunidade, tanto para comercializar os produtos nos próximos anos quanto também exportar […]. Além disso, algumas empresas apostam também nos usuários que não apresentam restrições, porém querem prevenir futuros problemas ortopédicos.”

 

Mudanças no radar

 

Para concluir, quero lembrar que, há poucas décadas, nossos sapatos eram eram feitos sob medida em oficinas ortopédicas.

Eram botas sem nenhuma personalização, porque isso não era considerado importante. Como a deficiência era vista como doença, a ideia era usar algo para “corrigir” o pé ou prevenir “deformidades”.

 

Quando criança, eu usava órtese (aparelho ortopédico) com botinhas. Na foto, estou entre dois dos meus irmãos.

 

Hoje, estamos avançando na compreensão de que o calçado é uma peça importante de expressão da individualidade. Também estamos compreendendo que deficiência não é doença, mas condição.

Quando publiquei o primeiro post desta série no Instagram, em dezembro de 2020, uma leitora, também cadeirante, me escreveu em privado. Na ocasião, me perguntou se eu não tinha mais o que fazer em vez de tratar de algo sem importância e fútil.

No meio de tanta gente que participou da enquete e compartilhou seus desafios e interesses, esta foi uma nota dissonante, mas útil para aprendizado.

A voz dessa moça indica que realmente precisamos falar do assunto, até que fique tão corriqueiro, que ela, e outros com o mesmo pensamento, não tenham mais vergonha das suas peculiaridades.

E até que todos compreendam que precisamos e merecemos calçados que nos façam felizes.

 

Para saber mais:

 

Se cuidar para se empoderar

Calçados para crianças com deficiência

 

Marcas que eventualmente oferecem calçados mais adequados para pessoas com deficiência de mobilidade:

 

Luz da Lua

Via Uno (em Belo Horizonte, compro esta marca na Bellara)

Gatza (oxfords super diferentes)

Melissa, Moleca, Petite Jolie, Jorge Bischoff, Santa Lolla, Schutz, Novo Louvre, Joana Paixão. Conhece mais alguma? Deixe nos comentários!

 

Sapatos sob medida

 

Michele Calçados Sob Medida

Calçados Paolo

Aline Antunes (professora de calçado feito a mão)

Faça seu calçado em casa

 

 

Modelo Oxford pode ser confortável e bonito

 

 

About Laura Martins

Laura Martins criou o blog Cadeira Voadora em 2011 para compartilhar suas experiências de viagem em cadeira de rodas. Para ela, viajar desenvolve inúmeras habilidades, nos faz menos intolerantes por conviver com as diferenças e ajuda a construir inclusão, porque as cidades vão ficando mais preparadas à medida que as pessoas vão se fazendo visíveis. Entre em contato pelo e-mail contato@lauramartins.net.

8 Comments

  1. Gostaria de saber se sabem me indicar quem faça próximo a Porto Alegre tenis sob medida.Meu filho tem um pé bem maior que outro e estou sem opções.

  2. Bom dia!!!
    MT interessante .. consegui mais informações do que achei que tinha…
    Tenho um entiado com diferença de 10 cm de um pé para o outro…
    Estou procurando quem faça sapatos, tênis ou botas.

  3. Olá !! Tudo jóia
    Devido a uma fratura de fêmur , fiquei com encurtamento de 3 cm na perna esquerda !!
    Gostaria de obter um calçado que me ajudasse neste caso

  4. Patrícia Ávila de Medeiros

    Boa noite ! Tudo bem ?
    Por aqui tudo bem .
    Estava lendo a matéria e super me identifiquei pois tenho uma diferença de quatro cm nos membros inferiores .
    A dificuldade para conseguir um mandar fazer um calçado adaptado que atenda as minhas necessidades é gigante .
    Assim como eu e vc tem muitas pessoas passando por isso .
    Espero que a matéria ajude a abrir portas para inclusão dessas necessidades.
    Grande abraço !

    • Ei, Patrícia, seja bem-vinda! Agradeço pelo feedback.
      Pois é, eu também espero que ajude. Sempre recebi mensagens de pessoas que têm necessidade de um sapato personalizado, mas não sabiam a quem recorrer.
      Tomara que o mercado vá se expandindo!
      Um grande abraço pra vc também!

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